Leishmaniose e Doença de Chagas têm um segmento em comum: são transmitidas por insetos e são consideradas doenças negligenciadas, ou seja, afetam a população mais pobre. Atualmente, as duas estão presentes em diversas regiões do Brasil
A doença de Chagas foi descoberta pelo sanitarista brasileiro Carlos Chagas que, na ocasião, combatia a malária no interior de Minas Gerais. O vetor da doença é o protozoário Trypanosoma cruzi – batizado assim por Chagas para homenagear o cientista Oswaldo Cruz – que usa o barbeiro como hospedeiro. A denominação “barbeiro” se deve ao costume do inseto picar as pessoas na região do rosto.
A doença de Chagas não é transmitida ao ser humano diretamente pela picada do inseto. A transmissão ocorre quando a pessoa coça o local da picada e as fezes eliminadas pelo barbeiro penetram pelo orifício que ali deixou. A transmissão pode também acontecer por transfusão de sangue contaminado e de mãe para filho, durante a gravidez. No Brasil, foram registrados casos da infecção transmitida, por via oral, em pessoas que consumiram caldo de cana ou açaí contaminados por esses insetos.
Nesse sentido, a doença de Chagas é uma doença causada por um protozoário, Trypanosoma cruzi, transmitida por insetos triatomíneos, conhecidos principalmente como barbeiro, chupão, procotó ou bicudo. Bastante popular, a doença de Chagas já foi predominante em áreas rurais da região das Américas – principalmente da América Latina –, mas nas últimas décadas, devido a movimentos populacionais, a maioria das pessoas infectadas vive em territórios urbanos (urbanização) e a doença se espalhou para outros continentes não endêmicos (onde Trypanosoma cruzi pode ser transmitido por vias não relacionadas aos insetos).
É uma doença que geralmente poderá se manifestar em duas fases, a aguda e a crônica. A fase aguda acontece logo após a pessoa ser infectada, podendo ter febre prolongada (mais de 7 dias), dor de cabeça, mal-estar, fraqueza intensa, inchaço no rosto e pernas, dor no corpo, náusea, vômitos, inflamação e dor nos linfonodos além de vermelhidão pelo corpo.
Após muitos anos, a doença poderá evoluir para a fase crônica, assim, a maioria das pessoas acometidas nunca terá nenhuma manifestação da doença. Até 30% das pessoas infectadas cronicamente desenvolvem alterações cardíacas (arritmias, insuficiência cardíaca) e até 10% desenvolvem problemas digestivos (aumento do intestino - megacólon e aumento do esôfago - megaesôfago), neurológicos ou mistos que podem exigir tratamento específico.
Entre os sinais e sintomas, incluem-se:
Cansaço, principalmente durante as atividades, falta de ar, edema/inchaço nas pernas e nos pés, batimento do coração acelerado/palpitações, dor no peito, dificuldade ou dor para engolir alimentos/sensação de entalo, diarreia e prisão de ventre, abdômen (barriga) aumentada, salivação.
O diagnóstico da doença é feito em grande medida por meio do exame de sangue. Os testes da doença são orientados especialmente para as pessoas que apresentam sintomas e que vivem em regiões onde a doença é endêmica.
LEISHMANIOSE
Os primeiros casos pioneiros de leishmaniose cutânea e mucocutânea nas Américas foram descritos em São Paulo, em 1909; apenas em 1934, um patologista do Serviço de Febre Amarela encontrou a leishmaniose visceral no Brasil. Processos históricos específicos a essas formas ganharam mais vigor institucional nos anos 1930.
Se a Comissão para o Estudo da Leishmaniose estabeleceu o conceito de leishmaniose tegumentar americana, a Comissão Encarregada do Estudo da Leishmaniose Visceral Americana, chefiada por Evandro Chagas, deu origem ao Instituto de Patologia Experimental do Norte (1936) e ao Serviço de Estudo das Grandes Endemias (1938), direcionando mais conhecimentos sobre a área.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a leishmaniose é caracterizada como uma das seis doenças infecciosas mais importantes do mundo. Estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas sejam acometidas a cada ano, porém, a leishmaniose é considerada uma doença negligenciada pela indústria farmacêutica por afetar principalmente populações menos favorecidas, ou seja, com menor poder aquisitivo e menor potencial de geração de lucro. No Brasil, a leishmaniose está presente em todos os estados.
A leishmaniose visceral ganhou crescente importância no nordeste brasileiro, nos anos 1950. Medidas de controle dos vetores por Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) ocorreram a reboque da campanha contra a malária, voltadas também a cães, sacrificados massivamente, e humanos, tratados com drogas antimoniais. Grandes empreendimentos no interior do Brasil após o golpe civil-militar de 1964 transformaram a leishmaniose cutânea e mucocutânea em um sério problema na Amazônia e em outras regiões.
No Brasil e em outros países, todas as formas de leishmaniose supostamente sob controle manifestaram-se em zonas rurais e urbanas e em áreas consideradas livres desse complexo de doenças endemoepidêmicas, devido a mudanças ambientais, migrações humanas, crescimento urbano caótico e outros processos socioeconômicos.
As leishmanioses são doenças causadas por parasitos e transmitidas por insetos. Ressalta-se que essas doenças não são transmitidas de pessoa a pessoa. A leishmaniose tegumentar (LT) na forma cutânea caracteriza-se pelo aparecimento de feridas na pele que se localizam, com maior frequência, nas partes mais expostas do corpo, como braços, pernas e face, e pode ser classificada como “localizada”, “difusa” ou “disseminada”, de acordo com a forma como a doença se manifesta.
As três principais espécies de Leishmania causadoras de LT, são: L Leishmania (Leishmania) amazonensis – distribuída pela região norte se estendendo até o Maranhão. Sua presença amplia-se para o Nordeste (Bahia), Sudeste (Minas Gerais e São Paulo), Centro-oeste (Goiás) e Sul (Paraná). Já a L Leishmania (Viannia) guyanensis – teoricamente limitada à Região Norte (Acre,Amapá, Roraima, Amazonas e Pará) e estendendo-se pelas Guianas. É encontrada principalmente em florestas de terra firme, em áreas que não se alagam no período de chuvas.
L. Leishmania (Viannia) braziliensis – foi a primeira espécie de Leishmania descrita e incriminada como agente etiológico da LT. É a mais importante, não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Tem vasta distribuição, desde a América Central até o norte da Argentina. Essa espécie está bastante distribuída em todo País. Quer seja na forma tegumentar ou visceral, as leishmanioses merecem atenção, pois além de provocarem debilidades físicas, podem ter repercussões psicológicas e reflexos no campo social, podendo cooperar, no que concerne à vida escolar, para a intermitência na frequência do educando às aulas e até a evasão.
Quanto a transmissão, não ocorre de pessoa para pessoa. Para que o homem seja infectado, há a necessidade da participação de um vetor primeiramente infectado. Os vetores da LT e LV são insetos conhecidos popularmente, dependendo da localização geográfica, como mosquito palha, tatuquira, birigui, asa-dura, entre outros.
Como mencionado acima, a transmissão dessas doenças ocorre pela picada de fêmeas infectadas desses pequenos insetos, os quais têm como características a coloração amarelada ou de cor palha e, em posição de repouso, suas asas permanecem eretas e semiabertas.
Vale ressaltar a importância do diagnóstico e do tratamento precoce, o quanto antes o diagnóstico e o tratamento forem realizados, melhor e mais rápida poderá ser a recuperação. O SUS oferece de forma acessível diagnóstico e tratamento específicos gratuitos para as pessoas acometidas por leishmanioses.
Baseado nesse contexto e no alerta de casos comumente diagnosticados, pesquisadores seguem constantemente investigando como se apresentam a Doença de Chagas e leishmanioses. O professor coordenador, Dr. Vagner José Mendonça buscou por meio de sua pesquisa investigar como vem sendo tratados os quadros da Doença de Chagas e leishmanioses no Piauí.
Por meio do CIATEN – Centro de Inteligência em Agravos Tropicais Emergentes e negligenciados vinculados a Universidade Federal do Piauí, foi desenvolvido o Núcleo de Agravos Negligenciados de Transmissão Vetorial (NANTV) no qual tem como objetivo elaborar evidências científicas com o intuito de auxiliar no processo de tomada de decisão acerca dos agravos pesquisados (leishmanioses e doença de Chagas). Além disso, visa também construir, apresentar e compartilhar produtos científicos, observando as principais fragilidades a partir de uma análise situacional. Ainda oferta serviços como capacitação/treinamentos, cursos, discussões e apresentações de relatórios científicos.
O Professor ainda reforça que sua participação no CIATEN, se dá visando promover ações de fortalecimento da saúde pública. “Com a expertise adquirida ao longo da formação acadêmica, o conhecimento acumulado permite que a participação contribua com a formulação de políticas públicas que visem melhorar a situação de saúde da população, especialmente às mais vulneráveis aos agravos abordados no núcleo”, afirma.
De acordo com Mendonça, sua equipe do CIATEN está disposta a ajudar vários setores da sociedade, como, usuários do sistema de saúde, especialmente os mais vulneráveis e acometidos; Profissionais de saúde; Profissionais da educação; Gestores e formuladores de políticas; Estudantes; e demais pesquisadores; Para as iniciativas acontecerem é preciso bastante trabalho e determinação. Mendonça inclui dentro dessas iniciativas, das quais fazem da pesquisa um grande diferencial, a Multidisciplinariedade, diversas abordagens, conhecimento sobre os temas; Associação do olhar epidemiológico aplicada ao conhecimento dos animais (vetores); Aplicação de conhecimento georreferenciamento (mapas) na distribuição da ocorrência dos agravos; Capacidade de produzir análises situacionais a partir de sistemas de informação em saúde; Envolvimento de vários pós-graduandos e pós-graduados de diferentes instituições e formação de recursos humanos; Captação de recursos financeiros por meio de projetos de pesquisas aprovados em editais de financiamento.
EXPERIÊNCIA EM PESQUISA DE CAMPO
A equipe de pesquisadores é composta por : Prof. Dr. Vagner José Mendonça, biólogo graduado pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Assis (2002), Especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP/Araraquara (2003), Mestre (2007) e Doutor (2011) em Parasitologia pela Universidade Estadual de Campinas e Pós Doutor na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP/Araraquara (2014) e no Institut de Recherche pour le Développement (IRD) em parceria com o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), Paris, França (2014). Professor Visitante (2014 - 2016) no Laboratório de Parasitologia da Faculdade de Medicina, da Universidade de Brasília, Campus Universitário “Darcy Ribeiro”.
Atualmente Professor Adjunto no Departamento de Parasitologia e Microbiologia do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Piauí/UFPI, Teresina-PI (2016). Me. Roniele Araújo de Sousa, formado em Ciências Biológicas (UFPI), mestrado em Saúde e Comunidade (UFPI) e doutorando em Saúde Internacional (IHTM/UNL). Possui experiência em avaliação dos serviços de saúde, epidemiologia e análise de dados em saúde.
As pesquisas seguem ampliando a discussão local sobre o caso, segundo Mendonça, o CIATEN age na Elaboração de boletins epidemiológicos; Orientações e desenvolvimento de projetos de pesquisas; Construção de mapa de evidências; Planejamento de ações e serviços com a participação de profissionais de diversos setores (Comitê de expertise); Planejamento para a criação de uma associação para pacientes acometidos com a doença de Chagas; A diversidade de projetos voltados para as epidemias de Chagas e Leishmaniose acarretam com um financiamento para o projeto “Georreferenciamento e vigilância entomológica da fauna de triatomíneos (Hemiptera: Reduviidae) para o controle da doença de Chagas no estado do Piauí/PI, Brasil”, temos uma equipe de estudantes de pós-graduação que está empenhada em realizar buscas ativas em diversos municípios, com o intuito de verificar áreas de maior endemicidade e risco da transmissão da doença de Chagas.
Também há o envolvimento de projetos envolvendo a sorologia da população rural de diversos municípios do estado quanto a infecção pela doença de Chagas. Ainda, temos trabalhado para identificar as cepas do protozoário Trypanosoma cruzi que são isoladas de vetores e reservatórios e verificar quais apresentam maior importância epidemiológica para os casos humanos.
Estudos morfológicos, sistemáticos, taxonômicos dos vetores, têm sido realizados para identificar as espécies e possivelmente a descrição de novas espécies com ocorrência para o estado. Abordagens educacionais, como construção de cartilhas, materiais didáticos, palestras, folder, tem sido frequentemente apresentado em escolas rurais.
O Professor Dr. Wagner Mendonça, relembra alguns momentos e vivências construtivas em sua caminhada junto ao CIATEN.
“Vários momentos foram marcantes durante esse período que estou no CIATEN: i) a participação de grupos de pesquisa para a construção de um mapa de evidência, que permitiu adquirir conhecimentos de uma nova ferramenta de análise de dados; ii) a participação de um importante evento da SESAPI “Capacitação de gestores, técnicos municipais de saúde e referências hospitalares de média e alta complexidade para implantação das linhas de cuidado das doenças negligenciadas”, com o tema: “Linhas de cuidado para atenção integral à saúde de pessoas com doenças negligenciadas: doença de Chagas”. Ainda, a participação das reuniões científicas permite ter contato com inúmeras ferramentas e abordagens de extrema relevância para aplicações nas diversas áreas de conhecimento, incluindo no desenvolvimento de projetos que envolvam controle da transmissão dos agravos de transmissão vetorial. Todos os momentos vivenciados durante as atividades do CIATEN são extremamente proveitosos permitindo a aquisição de novos conhecimentos para o desenvolvimento de novos projetos. Ainda, dois marcos importantes no meu percurso do CIATEN: 1) Quando tive a oportunidade de construir e ministrar um curso sobre análise de dados epidemiológicos para gestão em saúde; 2) Ter compartilhado as informações sobre o estudo Global Burden of Disease, em reunião científica”, destaca.
Mendonça destaca que sua equipe faz parceria com diversos outros pesquisadores ou outras instituições. Assim, os projetos desenvolvidos pelo NANTV são desenvolvidos em sua maioria com colaborações de profissionais de outras instituições. O Instituto propõe projetos em parcerias com o Centro de Ciências Agrárias (UFPI), pesquisadores da FIOCRUZ (do Rio de Janeiro e de Minas Gerais), coordenadores da Vigilância Ambiental da SESAPI, professores da UESPI e funcionários do LACEN-PI.
Mas nem tudo é fácil no universo das pesquisas, a exemplo da Doença de Chagas, o pesquisador ressalta que uma série de dificuldades estruturais são enfrentadas diante do trabalho aplicado sob estas doenças negligenciadas no Piauí.
“Vetores – distribuição, infectividade, identificação, conhecimento do reconhecimento de um vetor tanto por parte da população quanto por parte dos agentes de endemias, falta de um sistema de notificação adequado que registre a ocorrência dos vetores. quanto a prevalência – falta de diagnóstico na população suscetível, falta de sensibilidade por parte de alguns médicos para reconhecimento dos sintomas, falta de informação da população a respeito da procura médica, sensibilização dos moradores sobre a importância do diagnóstico e reconhecimento dos vetores”, diz.
Além disso, outros fatores como, vigilância e a própria carência fomentada pelo incentivo à pesquisa na área, sofrem dificuldades. “Vigilância – falta de insumos para campanhas de borrifação nas casas das áreas rurais, falta de incentivo para programas de melhoria habitacional, baixo número de agentes de endemias, falha nos registros de notificação. Já no nicho da pesquisa – baixo número de financiamentos a projetos de pesquisa na área de doenças negligenciadas, baixo número de pesquisadores que atuam na área”, conclui.
A professora Drª. Maria do Socorro Pires é pesquisadora na área de leishmaniose canina, segundo ela, as maiores dificuldades enfrentadas foi a falta de incentivo à pesquisa científica vividas nos últimos anos no país. “Porém, mesmo com recursos limitados, procuramos fortalecer as nossas redes de pesquisa para que o amor que sentimos pela ciência, especialmente do ponto de vista de saúde pública e saúde única, se reverta em soluções que impactem a vida da sociedade”, afirma.
Apesar dos problemas enfrentados, o relatório apresentado pelo NANTV, demonstra uma preocupação com o acompanhamento epidemiológico das doenças de Chagas e Leishmaniose, segundo o projeto, apesar das diversas atividades e produtos realizados durante esses quase dois anos, pretende-se ainda ampliar mais a produção de materiais e instrumentos que visem ampliar as informações, melhorando o seu acesso e contribuindo para formulação de políticas públicas. ∎
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