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Foto do escritorYury Pontes

Queimadas no Piauí

O fogo na floresta avança, a cada ano, em todas as regiões do estado, sobretudo no Sul, enquanto a ciência tem buscado respostas mais efetivas de apoiar o trabalho do poder público e das brigadas de incêndio



Foto: Reprodução - Edward Elias Jr./ ICMBio

Esses últimos dois anos serão lembrados, além de tantos outros eventos sinistros e do espectro da covid-19 – que envolveu não só o Brasil mas a humanidade –, pelas queimadas, que se alastraram por quase todo o território nacional, sobretudo em áreas, como a floresta amazônica, os cerrados e a caatinga. E o Piauí não passou ao largo desses acontecimentos. No período da estiagem, que se intensifica a partir de agosto ou setembro, o advento das queimadas chamou atenção dos habitantes, da comunidade científica e do poder público.


Nos meses mais difíceis, as manchetes dos noticiários alertaram para incêndios na vegetação de várias regiões do Piauí, de norte a sul. O fogo, destruindo biomas e tudo o que encontrava pela frente, chegou a ameaçar áreas de preservação como o Parque Nacional Serra da Capivara, localizado nas regiões Sudeste e Sudoeste estaduais. De acordo com a imprensa local, o estado chegou a ser considerado o 4° maior brasileiro em quantidade de queimadas em outubro de 2019.

O noticiário dava conta de que, em 19 dias de outubro, já se havia superado em 65% o total de focos de incêndio contabilizados no mesmo período de setembro de 2020, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Ou seja, de 1º a 18 de outubro, o Piauí teria contabilizado 2.728 focos de queimada. Na verdade, conforme o levantamento dos focos ativos detectados pelo satélite de referência do instituto, houve 3.437 em outubro – o pior do ano – de 2020.


Queimadas recordes


No total, ao longo dos 12 meses do ano passado, o INPE, através de seu satélite de referência, detectou 9.317 focos de queimadas no Piauí, número inferior aos 10.894, em 2019, e bem abaixo do recorde estabelecido em 2010, com 19.192; do total de 2012, com 14.537 focos; e dos 13.839, registrados em 2015. Como se observa, o problema das queimadas é recorrente em nosso estado, aliás, é um fenômeno que se repete todos os anos, incorporado há décadas – ou séculos – ao próprio processo civilizatório piauiense.


Tal aspecto não pode ser considerado natural. Pelo contrário, em grande medida, é causado pela mão do próprio ser humano, em diversas atividades agropecuárias, seja a agricultura de subsistência, criação de pastos ao gado, o agronegócio e suas extensas áreas destinadas à produção de grãos nos cerrados. O elemento civilizatório e cultural associado à queimada remonta à colonização, há pelo menos quatro séculos. De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí (Semar), as queimadas são comuns.


“Exemplos de ocorrências comuns no Piauí são a utilização de fogo por caçadores para direcionar animais para o local de captura”, registra o órgão. “A abertura de pastagem para rebanho com uso de fogo é outra prática ilegal, bem como a utilização deste recurso para limpeza de área para plantações sem as devidas medidas de proteção, como o uso de aceiros”, explica a Semar, através de comunicado à Assessoria de Comunicação da FAPEPI.


Ação humana


Vê-se que o fenômeno não tem explicações apenas climáticas. Muito pelo contrário. Em escala nacional, grande parte das queimadas é causada pelo fator humano. Dados inéditos compilados por meio de iniciativa lançada no dia 03 de dezembro de 2020, o MapBiomas Fogo, permitem chegar à conclusão do aspecto determinante da atividade do homem nesse sentido. O MapBiomas Fogo consolida, pela primeira vez, as informações sobre a área queimada a cada ano no País, de 2000 a 2019.


O levantamento leva em consideração localização, frequência e o tipo de cobertura e uso da terra associado, como floresta, savana, agricultura ou pasto, entre outros. Ele faz parte da 5ª coleção anual de mapas de cobertura e uso do solo do Brasil do projeto MapBiomas. “O incêndio em florestas tropicais não é natural. Ele é causado principalmente pela ação humana alimentada por um ambiente mais seco, que faz o fogo escapar de um pasto ou de uma área desmatada, por exemplo, e entrar na mata.”


A explicação é da diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, coordenadora do grupo que fez o trabalho. “A frequência alta em algumas regiões reforça o papel do homem nesse processo de degradação.” De acordo com o projeto, nos 20 anos mais recentes, 1,5 milhão de quilômetros quadrados do Brasil, ou cerca de 17,5% de seu território, queimaram pelo menos uma vez. “É quase toda a região Nordeste”, registra o MapBiomas.


Região Sul em chamas


A Semar, órgão de proteção ambiental estadual, pontua que “Quando pegou fogo, a maior parte da área, 68%, estava coberta por vegetação nativa, enquanto 32% eram usadas para agropecuária, incluindo atividades como limpeza de pasto, roçado e terrenos recém-desmatados”, informa o projeto. Em média, uma área de 177 mil quilômetros quadrados queima todo ano, ou 2,1% do País. “Sobre as queimadas intencionais ou criminosas no estado, não existe um levantamento oficial”, pontua a Semar, órgão de proteção ambiental estadual.


Segundo a secretaria, “os fiscais ambientais, ao encontrarem um foco, deduzem que seja criminoso pelas características do local”. “Na região do cerrado grande parte dos incêndios que ocorrem é provocada por caçadores, que ateiam fogo na vegetação, ou para afugentar a caça, ou para favorecer o abate de animais em campo limpo”, acrescenta a Semar. O órgão divulga que “as ações de fiscalização ambiental são na verdade o instrumento primordial/essencial para coibir tal prática”.

E isso se concentra na região Sul do Piauí, talvez a mais crítica, conforme o INPE teria informado à imprensa local, supostamente “por ter área de mata mais vasta e densa”, onde as ocorrências de chamas na vegetação se tornariam mais frequentes. Ainda de acordo com o relato publicado em veículos de comunicação de Teresina, o combate ao fogo nessa região é considerado árduo, o que inclui a presença em rondas nas proximidades de pontos de caça já mapeados, ou a “apuração de denúncias e repressão a caçadores contumazes”.

Foto: Reprodução - PREVFOGO/IBAMA


Brigadas de incêndio


Os trabalhos das brigadas de incêndio do Corpo de Bombeiros podem durar de cinco a 10 dias, até que o fogo seja controlado. E os profissionais muitas vezes dependeriam da população dos municípios atingidos para serem guiados. São os seguintes os municípios piauienses situados na maior zona de risco: Floriano, Jerumenha, Landri Sales, Porto Alegre, Guadalupe, Antônio Almeida, Sebastião Leal, Bertolínia, Canavieira, São Miguel do Tapuio, Pimenteiras, Curimatá, Buriti dos Montes, Domingos Mourão, São João do Piauí, etc.


Essa lista inclui João Costa, Redenção do Gurguéia, São Raimundo Nonato e Tamboril do Piauí. Em todos esses municípios, para combater o fogo, aparentemente incontrolável, é necessário cooperação, não apenas com os habitantes locais, mas também interinstitucionais. Isso estaria ocorrendo, em nível nacional, com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).


Ambos lançaram uma campanha de utilidade pública contra as queimadas, transmitindo a ideia de que, quando bem manejado, o fogo é um aliado do homem do campo, mas mostrando que basta uma fagulha para causar prejuízos irreparáveis. O conceito da campanha é “Saiba lidar com o fogo para não ter que lidar com as consequências”. Parceira desses órgãos, em nível estadual, a Semar destaca que “o ICMbio vem realizando ações preventivas nas unidades de conservação para combater os incêndios”.


Manejo do fogo


Continua a secretaria estadual: “a principal delas é a implementação do Manejo Integrado do Fogo (MIF), que é composto por um conjunto de técnicas que visa mudar o uso e a concepção do fogo, tratando-o como um aliado e não somente como um vilão”. “Uma das técnicas do MIF são as queimas prescritas.” “Elas visam diminuir a quantidade de combustível, que é o material orgânico que pode alimentar os incêndios, formando mosaicos no território e evitando que grandes porções de vegetação sejam consumidas de uma vez só.”


Parecem não faltar esforços institucionais para combater o fogo na mata. A Semar lembra o lançamento da Operação Queimadas, em 2020. “Com a ajuda de parceiros, estão atuando de forma cooperada e integradamente dentro de suas competências.” As parcerias se estendem ao Ibama, à Associação Piauiense de Municípios (APPM), ao Ministério Público Estadual, à Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Piauí (FETAG), Polícia Militar Ambiental, ao Corpo de Bombeiros, etc.


A operação conta ainda, em tese, com o envolvimento da Polícia Rodoviária Federal, Pastoral da Terra, Arquidiocese de Teresina e Secretaria Estadual de Planejamento do Estado do Piauí (SEPLAN), bem como de várias prefeituras municipais localizadas numa área de maior risco de queimadas. Esforços ao menos para minimizar a acelerada destruição ambiental, causada pelos incêndios, são mobilizados por parte da ciência, dos pesquisadores e instituições de ensino superior, com vários projetos científicos em desenvolvimento.


Foto: Reprodução - PREVFOGO/IBAMA

Comportamento do fogo


É o caso do projeto de pesquisa intitulado “Modelagem do comportamento do fogo em vegetação arbustiva de área de transição cerrado-caatinga”, coordenado pelo Dr. Ronie Silva Juvanhol, da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Esse projeto foi contemplado no Programa de Infraestrutura para Jovens Pesquisadores/Programa Primeiros Projetos (PPP), mantido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (FAPEPI), em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).


O Programa de Infraestrutura para Jovens Pesquisadores é apoiado também pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No caso do projeto relacionado à “modelagem do comportamento do fogo”, desenvolvido pela equipe chefiada por Juvanhol, o objetivo é desenvolver protocolos, modelos ou manuais de combate às queimadas florestais, para uso das brigadas de incêndio. O resultado final esperado do projeto é permitir “aos chefes de brigada decidir o método de combate”.


E tal decisão só pode acontecer, segundo o pesquisador da UFPI, “de acordo com o comportamento do fogo”. Conforme o resumo do projeto, “os efeitos produzidos por um incêndio nos diversos componentes de um determinado ecossistema florestal dependem do comportamento do fogo, isto é, dependem das características da combustão no momento do incêndio”. Isso diz respeito a aspectos, como a forma de ignição, taxa de propagação, intensidade do fogo, temperaturas máximas alcançadas, etc.


Mais eficiente e seguro


Esses pontos, por sua vez, “dependem basicamente das características da vegetação afetada pelo fogo e dos fatores ambientais, principalmente condições meteorológicas, topografia e características do material combustível”. “O objetivo desta pesquisa é medir os parâmetros do comportamento do fogo em queimas experimentais em condições de campo, a fim de estabelecer correlações entre as variáveis do fogo e os fatores do ambiente.”


Então, é uma pesquisa visando à “elaboração de modelos de previsão do comportamento do fogo”, elemento crucial numa operação brigadista anti-incêndio. Segundo Juvanhol, se se tem o conhecimento dentro da taxa de propagação e intensidade do fogo, “é possível estabelecer uma distância de segurança que o combatente ou brigadista deve ficar na linha de frente”.


“A gente prevê uma redução dos danos, porque o combate será mais efetivo e principalmente ampliará a segurança da integridade física do combatente”, observa.


O pesquisador reflete: “o incêndio tem características peculiares”. “Nunca um incêndio vai ser igual ao outro, o que vai determinar a característica do incêndio vai ser a vegetação e as condições meteorológicas”, reforça ele. Nesse sentido, o combate pode ser efetuado de forma indireta ou direta, “quando permite a aproximação do combatente na linha de frente do fogo e efetue o combate por meio de ferramentas e equipamentos manuais, como mochilas costais, abafadores, e outros tipos de ferramentas”.


Importância dos manuais


A ação das brigadas, de acordo com Juvanhol, poderá se dar de forma indireta ou paralela, “no caso quando não permitir essa aproximação do combatente”. Tudo isso a partir de informações úteis para estabelecer os planos de combate. O valor, portanto, da pesquisa será medido na proporção em que a produção de futuros manuais técnicos de combate às queimadas florestais, a serem usados pelos brigadistas, permitam ampliar as possibilidades de sucesso, quando a prevenção não for suficientemente eficaz para evitar novos desastres. ∎

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