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Foto do escritorJoão Victor Peixe

Impactos da Pandemia no meio ambiente e nas cidades


Foto: Reprodução - GCom-MT

O planeta no qual dividimos a vida está em constante mutação. Atravessou incontáveis períodos de catástrofes e mudanças climáticas ao longo de sua história, criou e extinguiu espécies, mudou e ainda muda sua superfície, clima e vegetação, obedecendo a ciclos e regras naturais que lhe são próprias. O Homo sapiens surgiu e se espalhou pelo mundo no período geológico do Pleistoceno, mas foi a partir do Holoceno, 11.650 anos atrás, que floresceu a civilização e a espécie humana se tornou uma força onipresente no território global. A estabilidade climática do Holoceno propiciou o florescimento do desenvolvimento econômico e social e o ser humano expandiu as atividades agrícolas, a domesticação dos animais, construiu cidades e montou uma máquina de produção e consumo de bens e serviços jamais vista nos 4,5 bilhões de anos anteriores.


A inteligência humana, com seu domínio da técnica, modo de vida em grupo e transmissão da cultura para as novas gerações, tornaram-na cada vez mais dominante sobre os outros animais. Milênios se passaram, a vinda da idade moderna e sua racionalidade cartesiana, ofereceram motivação para o surgimento do pensamento antropocêntrico na Europa, onde o ser humano passou a considerar-se superior à natureza e com direito a dominá-la em função dos próprios interesses. A revolução industrial e o surgimento do capitalismo contemporâneo tornaram esse processo mais rápido e agressivo, de forma contraditória, agressivo a ponto de hoje ameaçar a reprodutibilidade do próprio funcionamento e da sobrevivência humana com o desequilíbrio dos ciclos naturais provocados pela predação da ganância humana.


Esses desequilíbrios são muito variados e complexos e provocam mudanças de inúmeras ordens na biosfera. O crescimento da população e da produção material foi tamanho que, o pesquisador e premiado pelo Nobel de Química, Paul Crutzen, ao avaliar o grau do impacto destruidor das atividades humanas sobre a natureza, afirmou que o mundo entrou em uma nova era geológica: a do Antropoceno, que significa “época da dominação humana”. Essa nova fase representa um novo período da história do planeta, em que o ser humano se tornou a força impulsionadora de mudanças geofísicas e biológicas, da degradação ambiental e vetor de ações que são catalisadoras de uma provável catástrofe ecológica.


O Antropoceno é uma era sincrônica à modernidade urbano-industrial. A Revolução Industrial e Energética que teve início na Europa no final do século XVIII deu início ao uso generalizado de combustíveis fósseis e a produção em massa de mercadorias global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes, de forma bastante desigual entre as nações, dependendo de seu papel histórico como exploradoras ou exploradas. Este crescimento demo-econômico foi maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens. Mas todo o crescimento e enriquecimento humano ocorreu às custas do encolhimento e empobrecimento do meio ambiente.


No Antropoceno, a humanidade danificou o equilíbrio homeostático existente em todas as áreas naturais. Alterou a química da atmosfera, promoveu a acidificação dos solos e das águas, poluindo rios, lagos e os oceanos, reduziu a disponibilidade de água potável, ultrapassou a capacidade de carga da Terra e está promovendo uma grande extinção em massa das espécies. Se estas práticas continuarem, podem provocar danos irreparáveis e um ecocídio generalizado, que pode se transformar em suicídio.


O último Relatório Planeta Vivo (2018) divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), mostra que o avanço da produção e consumo da humanidade tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado uma aniquilação da vida selvagem: as populações de vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 60% entre 1970 e 2014. Confirmando o impacto devastador das atividades humanas sobre a natureza, a Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), da ONU, mostrou que há 1 milhão de espécies ameaçadas de extinção. O relatório elaborado nos últimos anos, e divulgado em maio de 2019, fez uma avaliação do ecossistema mundial, com base na análise de 15 mil materiais de referência.


Ademais, é um axioma que o ser humano também está vulnerável de sofrer todas as consequências provocadas por suas ações, já que está contido na natureza e depende dela, não o contrário. O avanço do “progresso” humano calcado na modernidade tem seus limites inscritos no processo de empobrecimento do meio ambiente. A ideia utópica de uma harmonia entre o crescimento da produção, a tese do desenvolvimento e a sustentabilidade se transforma em uma distopia, pois o desenvolvimento, mesmo sustentável, virou um oximoro.


O efeito rebote pode vir não apenas sob catástrofes climáticas cada vez mais fortes mas também sob forma de novas doenças. As florestas têm um papel fundamental na proteção de todas as espécies do nosso planeta e no ciclo da água. As árvores ajudam a controlar as temperaturas e os desastres naturais – elas absorvem e armazenam carbono da atmosfera, mantêm as fontes de água intactas, preservam a cobertura da terra e o solo superficial e fornecem fontes de alimento e refúgio para uma abundância de espécies, incluindo a nossa. As árvores são essenciais para um ecossistema florestal saudável e em funcionamento, mas os patógenos, que são agentes de doenças, existem na natureza e também tem funções próprias.


Quando a integridade ecológica é interrompida por processos como o desmatamento, são criadas condições que possibilitam a disseminação e o surgimento de doenças. A derrubada ou queimada de florestas, motivadas principalmente para a abertura de pastos para a expansão da agropecuária provocam perda ou deslocamento da biodiversidade, mudam a dinâmica e desequilibram o ecossistema; isso permite que os patógenos – e seus vetores, como carrapatos ou mosquitos – se movam de uma espécie para a outra ou para novos lugares. As florestas geralmente criam um habitat ideal para mosquitos vetores de doenças e, à medida que os habitats florestais são fragmentados, as populações de animais silvestres são forçadas a se aproximar mais umas das outras e das populações humanas, promovendo a disseminação de doenças como malária, zika, dengue e doença de Lyme.


Os vírus possuem apenas um tipo de material genético, seja DNA ou RNA. Eles possuem uma grande capacidade de mutação, ou seja, modificam-se com grande facilidade, criando novos vírus com material genético diferente do que lhe deram origem. Essa alta taxa de mutação faz com que praticamente cada partícula viral contenha um genoma diferente das demais. Assim temos o que chamamos de uma nova cepa ou estirpe viral. Os vírus, principalmente os de RNA com seu alto grau de variabilidade, resultam de fenômenos como as mutações e recombinações de segmentos específicos de seu genoma.


Essas mutações podem ocorrer espontaneamente no genoma viral, ou serem induzidas por agentes físicos e químicos, criando a nova linhagem com propriedades que diferenciam dos vírus parentais ou selvagens. Novas cepas virais também podem surgir por interações genéticas entre os vírus ou entre os vírus e as células.


Pandemias como a que estamos vivendo, infelizmente, já eram esperadas por autoridades e cientistas. Além da destruição de habitats naturais, o manuseio de carne sem protocolos de higiene, consumo de animais silvestres, criação intensiva de animais para abastecimento da indústria e mudanças climáticas são apontados como os principais causadores de pandemias, epidemias e surtos epidêmicos no mundo. É aí que surge o fenômeno conhecido como spillover (termo em inglês que pode ser traduzido como transbordamento).


O spillover é usado na Ecologia para dizer que um vírus ou micróbio conseguiu se adaptar e ir de um hospedeiro para outro. E foi assim, provavelmente migrando de morcegos para os seres humanos — tendo talvez, os pangolins como intermediários — que o SARS-CoV-2 sofreu mutações e atingiu esses números impressionantes. Nesse caso, as evidências indicam que o marco zero da pandemia foi o mercado de animais vivos em Wuhan, na China, um local com grande densidade de pessoas, animais domésticos e silvestres misturados e más condições sanitárias.


Por outro lado, nas últimas décadas, a agropecuária tem sido terreno fértil para o desenvolvimento de novas doenças infecciosas devido à aglomeração de animais que vivem em condições precárias, abstraídos da natureza, em confinamento, e forçados a produzir mais para servirem ao consumo humano. Todas essas condições são combustível para epidemias, não só da covid-19, mas outras, como o exemplo do surto de peste bovina que assolou países africanos na década de 1890 e gripe aviária e suína, já no século 21.


Na atualidade, a agropecuária ocupa 77% das áreas agricultáveis do mundo, mas há uma demanda cada vez maior por novos espaços naturais a serem desmatados para serem convertidos em pastagens e áreas agrícolas para produção de ração para animais que serão abatidos para consumo.

Os habitantes desses espaços, que são os animais silvestres, acabam tendo o seu ciclo de vida alterado e se veem obrigados a terem mais contato com outras espécies com as quais não teriam nenhum tipo de proximidade em uma situação natural livre da intervenção humana. Isso é o suficiente para que se eleve muito o risco de patógenos que, em condições naturais, não seriam transferidos a outras espécies, já que é comum encontrar animais que os hospedem sem que isso se transforme em doenças ou mesmo um problema.


As doenças transmitidas direta ou indiretamente por animais aos seres humanos são chamadas zoonoses. As zoonoses são muito associadas aos morcegos, por exemplo. De acordo com informações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), essas doenças surgiram devido à perda de habitat em consequência do desmatamento e da expansão agropecuária, o que é muito problemático considerando a importância dos morcegos nos ecossistemas – já que eles atuam como polinizadores.


Isso significa que enquanto forem desenvolvidas atividades que impactem de forma negativa no meio ambiente será impossível evitar o surgimento de novas epidemias zoonóticas ou mesmo prever de onde ou quando surgirão. Contudo, os impactos no meio ambiente que propiciaram o surgimento dessa nova cepa viral criaram efeitos-rebote na própria natureza, seja de modo positivo ou negativo. A mudança brusca na realidade social de todos os países no início da pandemia alterou as relações homem-natureza, confirmando seu papel como agente de mudanças naturais no Antropoceno.

Foto: Reprodução - Pixabay.com

A redução na atividade econômica e o isolamento social provocados pela pandemia em 2020 ocasionaram alguns impactos positivos ao meio ambiente. Como por exemplo as emissões de carbono, que sofreram diminuição durante um período de tempo, durante a fase de isolamento. Em Maio de 2020, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera subiu para cerca de 418 partes por milhão. Foi o valor mais alto já registrado na história da humanidade e provavelmente mais alto do que em qualquer outro momento ao longo dos últimos três milhões de anos.


Esse recorde foi quebrado em meio a pandemia, embora em certos lugares essa crise da saúde tenha causado uma das maiores e mais drásticas quedas já registradas nas emissões de CO2. Durante o pico das medidas de isolamento implementadas em todo o mundo no primeiro semestre de 2020, as emissões diárias ficaram cerca de 17% abaixo em comparação a 2019, de acordo com uma pesquisa publicada na revista científica Nature Climate Change. Durante os bloqueios mais restritivos e extensos, as emissões em alguns países ficaram quase 30% abaixo das médias de 2019, afirmou Glen Peters, um dos autores da análise da Nature Climate Change e cientista climático do Center for International Climate Research da Noruega. Com isso, foi notada uma melhor qualidade do ar, principalmente nas grandes cidades. Boa parte dessa redução se deve a diminuição da atividade industrial e o consumo de combustíveis fósseis, que também reduziu drasticamente.


Para se ter noção dessa mudança, um estudo divulgado pela revista Forbes mostrou que a quarentena, provavelmente, salvou 77 mil vidas na China com a queda da poluição do ar. Já em São Paulo, a FAPESP divulgou que dados atmosféricos mostraram redução de 50% de poluição entre as semanas do dia 15 a 21 e 22 a 28 de março de 2020. Outros acontecimentos notáveis não podem ser ignorados: a cordilheira do Himalaia, na parte indiana, passou a ser vista a mais de 160 quilômetros de distância, fato que não ocorria há décadas, devido à poluição. Os canais de Veneza, na Itália, apresentaram coloração da água mais clara, nítida e com mais peixes, sem turistas e barcos, para citar dois exemplos.


Porém, a ONU afirmou no fim de 2019, que para evitar desastres ambientais, seria necessária uma redução anual de 7.6% nos níveis de emissão pelos próximos 10 anos. Ou seja, mesmo que o mundo todo tenha interrompido suas principais atividades durante algumas semanas, a redução ainda não é a ideal. O panorama futuro é ainda mais incerto, considerando o avanço de uma vacinação desigual entre os países, os números passaram a indicar uma redução de contágios e mortes, trazendo um retorno da grande maioria das atividades humanas, mesmo com o vírus ainda circulando e sofrendo mutações. A tendência das empresas frente a uma brecha era esperada: acelerar a recuperação econômica a qualquer custo, inclusive em detrimento do meio ambiente.


Então, ainda não há nada a ser comemorado, além de muitas vidas terem sido perdidas, o que pode ser percebido é que os impactos positivos observados servem para mostrar como é preciso algo em escala gigantesca para promover pequenas melhorias, tornando quase impossível pensar em perspectivas melhores para o futuro, com as causas e condições de hoje. Não é difícil imaginar que os níveis de poluição podem ficar até maiores do que na pré-pandemia.


Essas mudanças positivas são apenas circunstanciais, e infelizmente, os impactos negativos na natureza mesmo durante a pandemia eram bem visíveis: devido às medidas de segurança que a população mundial acrescentou em sua rotina, como o uso obrigatório de máscaras de proteção respiratória e luvas, produzidas em TNT, algodão, látex, vinil e outros materiais, estes objetos sofreram muito descarte irregular, tendo sido encontrados em oceanos ao redor do mundo, como em Hong Kong, na França, na Inglaterra e no Brasil. Estima-se que mais de 8 milhões de toneladas de plástico entrem em nossos oceanos a cada ano.


Este plástico não desaparece, mas se decompõe lentamente em microplástico, que entra nas cadeias alimentares, causando efeitos devastadores na fauna marinha. O descarte incorreto das máscaras e luvas trazia risco de contaminações pela covid-19, além de impactar diretamente o ecossistema marinho, podendo causar a morte de animais que ingeriram os itens, além de que nas cidades, poluem as ruas, causando riscos de contaminações e maior produção de lixo. Com o progressivo fim dos isolamentos, houve também a volta da atividade industrial e emissões de gases poluentes, expansão do agronegócio brasileiro mesmo em terras indígenas e áreas de preservação ambiental, com número recorde de queimadas e morte da fauna e flora.


Os efeitos da pandemia nos espaços urbanos também têm sido gigantescos, afinal, além do problema da poluição já enfrentado há décadas pelos grandes centros urbanos, a ocupação das ruas e espaços públicos como espaço legítimo de reivindicação de direitos, ainda que necessária, causou grande controvérsia, levando em conta a grande quantidade de manifestações políticas pró e contra o governo federal, a passagem pelas eleições municipais e a vindoura campanha eleitoral de 2022, tendo em vista que o coronavírus é um vírus respiratório que circula em multidões. Esse cenário atual de, por um lado, reivindicação do uso do espaço público e, por outro, de negação do uso do mesmo, levou a muitos conflitos de pensamentos e reflexões sobre de qual forma seria possível utilizar os espaços públicos durante e no pós-pandemia.


O professor Hikaro Kayo de Brito Nunes, desde 2012 sendo pesquisador da paisagem urbana de Teresina, é doutorando em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará e mestre pela Universidade Federal do Piauí, em entrevista, contou à Sapiência suas perspectivas para a atual fase e as possibilidades do pós-pandemia.


De início, é necessário lembrar que os reflexos da pandemia, da quarentena e da pós-quarentena nos espaços urbanos são bem diversificados e complexos, fato que já caracteriza esses espaços, tendo em vista inúmeras dimensões analíticas e o próprio contexto espacial e temporal a ser levado em conta. Algumas ações, segundo ele, contribuíram para construir pontos em comum entre os pequenos, médios e grandes centros urbanos. Uma total reorganização dos fluxos de pessoas nas cidades: as campanhas #FiqueEmCasa e #SePossívelFiqueEmCasa serviram para inserir cada vez mais as entregas de compras e alimentos por delivery, o que tornou explícito o escárnio trabalhista que é a plataformização e precarização das relações de trabalho por aplicativos no Brasil, uma mistura de mercado especulativo, vigilância de dados e gestão neoliberal, sem vínculos formais nem direitos aos trabalhadores garantidos pelas empresas donas de aplicativos nem pelas companhias que se utilizam do trabalho dos entregadores. Em meio a pandemia, em Julho de 2020, foi visto pela primeira vez no Brasil a luta do #BrequeDosApps, a primeira greve organizada por entregadores de aplicativos de várias cidades do país por melhores condições de trabalho, algo nunca antes visto nessa proporção desde o lançamento dessas plataformas no Brasil.


“As intensas aglomerações na frente de escolas, faculdades, comércio, fábricas e escritórios deram lugar a espaços vazios e silenciosos, ao mesmo tempo que filas de ambulâncias e de pessoas aumentavam próximas a hospitais. Hospitais que anteriormente eram referências em atendimento de pessoas que sofreram acidentes de trânsito ocuparam seus leitos com pacientes com doenças respiratórias, afinal de contas os fluxos diminuíram e os acidentes em parte considerável das cidades seguiu essa mesma tendência. De forma contraditória, contracenaram filas para compras de mercadorias com preços abusivos em farmácias e supermercados, com o medo de escassez; filas em lotéricas e agências bancárias, principalmente da Caixa Econômica Federal, para recebimento do auxílio emergencial. Como poderia ser possível um distanciamento social efetivo em uma cidade, um local de encontros e fluxos?” Reflete o professor Hikaro.


O professor conta que ainda é cedo para estipular previsões para o pós-pandemia, contudo, a curto prazo o espaço urbano ainda sentirá as sequelas. “Fato que, no futuro, os espaços urbanos precisarão ampliar a discussão e, de fato efetivar ações de planejamento urbano com inovações em formas de lazer, comércio, circulação, turismo, transporte coletivo, moradia, e, talvez principalmente infraestrutura sanitária. Os dados mais atuais apontam que mais de 16% da população não têm acesso à água tratada, e apenas 46% dos esgotos gerados no Brasil são tratados conforme o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), evidenciando a tão distante universalização destes serviços”, pontua.


O professor Hikaro acrescenta que devemos ficar atentos para os impactos com a retomada econômica após o pico da pandemia. Ainda no mês de abril de 2020, em atividades do Centro Acadêmico de Geografia da UFPI e do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR/UFPI), ele destacou a fantasiosa interpretação de que após a pandemia a qualidade ambiental alcançaria níveis melhores. “Temas como a questão atmosférica precisam ser analisados com atenção. Devemos ter muito cuidado com essa sensação de ‘ar puro’ e de que a visibilidade do Himalaia, o céu de São Paulo, de cidades chinesas, por exemplo, vão perdurar, até porque, quando há uma redução drástica da atividade econômica, logo após há um aumento repentino da emissão de carbono, como aconteceu na crise financeira de 2008. O aumento da produção de lixo e resíduos sólidos – principalmente de origem hospitalar, bem como da energia elétrica e do gás residencial, a mudança do consumo, a alteração no ‘comportamento’ de alguns animais e a transparência e aumento da qualidade das águas nos canais de Veneza, Nova York e em cidades da China são exemplos mais que necessários de que devemos discutir essas interferências, características de resiliência que infelizmente foram isoladas e passageiras. O ponto chave seria não a produção, prejuízo e lucro em si, mas as decisões políticas sobre essa sociedade de consumo”, afirma o pesquisador.


As mudanças na paisagem urbana teresinense seguiram, salvo as diferenças de escalas espacial e temporal, a tendência de inúmeras outras cidades brasileiras. O professor lembra que cabe considerar, nesse contexto, que a paisagem urbana envolve uma série de fatores e elementos, tais como o espaço socialmente construído, com suas influências culturais e econômicas, contemplando assim as infinitas dimensões humanas (re)construídas em um determinado período e contexto.


Com o freio nas atividades presenciais, certos dias do auge da pandemia conferiram às cidades um aspecto de cidades-fantasma, com aflição especial aos estudantes, que experimentaram um sentimento de entrave nos seus percursos, na angústia da solidão de quem vive só e nos conflitos de quem passa por relações tóxicas com a família ou cônjuge. Essa crise de saúde também foi responsável por evidenciar nossas crises subjetivas como nenhuma outra. “Pontos que chamaram muita atenção estão intimamente imbricados com o próprio fechamento de atividades econômicas. Quem diria que em pleno meio dia em um dia útil a avenida Frei Serafim teria pouquíssimos veículos? Ou que os inúmeros semáforos ao longo da Avenida Miguel Rosa teriam perdido sua principal função? Ou que nos horários de atividades religiosas os templos estariam fechados e sem previsão de reabertura? O Centro de Teresina, no período diurno, abstraiu as características do mesmo espaço no período noturno. Os sons e movimentos dos inúmeros canteiros de obras cessaram. Os pontos de ônibus e estações de passageiros fecharam, assim como os mercados e as feiras livres. Os incontáveis trailers e quiosques de vendas de alimentos (com maior atividade a partir do final da tarde) diminuíram/pararam suas ações. A paisagem, tão brilhantemente ensinada pelo grande professor e geógrafo Milton Santos, foi, forçadamente modificada”, relata o professor.


O professor enfatiza que uma das principais características da Geografia é a sua valiosa capacidade de relacionar e discutir em uma mesma dimensão, diferentes aspectos, fatos e fenômenos. No campo atual, compreender estes complexos auxilia sobremaneira na dinâmica espaço-temporal de doenças tropicais, por exemplo, bem como da relação entre epidemiologia e geografia em tempos de Pandemia da COVID-19, a julgar que toda transmissão ocorre em um dado contexto. Vale relembrar um exemplo local de pesquisa nesses termos desenvolvida no campo da Geografia com intuito de mapear a situação da pandemia no Piauí, o Painel de monitoramento da COVID-19, desenvolvido pelo professor do IFPI Reurysson Morais e o aluno Thallyson Bruno Ferreira do curso de Geoprocessamento do campus Teresina Central.


“As características atuais deste mundo neoliberal como pobreza urbana, mudanças demográficas, apropriação de espaços naturais, necropolítica, industrialização e internacionalização de alimentos auxiliam consideravelmente na já tão intensa vulnerabilidade humana. O mundo globalizado contribuiu, dessa forma, para a rápida disseminação do vírus, tanto que uma das principais ações dos países mais preocupados com a questão sanitária foi o fechamento, ou maior rigidez, de portos e aeroportos”, destaca.


A relação entre vulnerabilidades, pandemia e Geografia se dá em uma infinidade de dimensões, como as já mencionadas anteriormente, além dos fatores de deflagração e dispersão. O contágio da covid-19 se deu de maneiras diferentes dependendo do local. Acompanhamos um ‘cada um por si’ em busca de insumos médicos, não só entre países, mas entre estados, como as ações do Maranhão em busca de respiradores. As desigualdades socioeconômicas já conhecidas ficaram ainda mais evidentes em meio ao colapso global da saúde em um mundo cada vez mais competitivo”, finaliza o pesquisador.


O professor Hikaro também aproveitou a oportunidade para sugerir, a quem interessar possa, a leitura das últimas produções textuais de geógrafos que auxiliam, sob diferentes leituras, a problemática anunciada sob a ótica da ciência geográfica. Como Ana Fani Alessandri Carlos (USP), Andrea Lourdes Monteiro Scabello (UFPI), Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS), Julia Adão Bernardes (UFRJ), Zenilde Baima Amora (UECE) Marcelo Lopes de Sousa (UFRJ), Raul Borges Guimarães (UNESP-PP), Juliana Ramalho Barros (UFG), Natacha Cintia Regina Aleixo (UFAM) e José Eudázio Honório Sampaio (UECE), este último com importantes contribuições cartográficas frente ao contexto da pandemia.∎


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