Núcleo temático em agravos negligenciados de transmissão direta do CIATEN reúne esforços para informação e combate à hanseníase e tuberculose
Foto: Eduardo de Oliveira.
As doenças negligenciadas ou doenças tropicais negligenciadas são um grupo diverso de doenças infecciosas e endêmicas que afetam em torno de 149 países e mais de um bilhão de pessoas. Estas doenças afetam principalmente as populações da África, Ásia e América Latina, especialmente as regiões que vivem em condições de miséria extrema, sem acesso a saneamento básico e que estão em contato próximo com diversos vetores, como animais silvestres e culturas pecuárias. Pobreza, acesso limitado à água limpa, condições precárias de higiene e de saneamento são alguns dos fatores associados. Trata-se portanto, de um problema de saúde pública mundial que têm suas raízes na enorme desigualdade social entre as nações e na vulnerabilidade das populações mais pobres.
Hanseníase, dengue, leishmaniose, esquistossomose, raiva humana transmitida por animais, escabiose (sarna), doença de Chagas, parasitoses intestinais e tracoma são alguns exemplos das mais de 20 patologias que compõem este grupo. Juntas, essas doenças causam entre 500.000 e 1 milhão de óbitos anualmente. Para as pessoas acometidas e suas famílias, essas enfermidades, além da possibilidade de óbito, estão associadas a adoecimento de longa duração, incapacidade física e impactos psicológicos, ampliados por diferentes dimensões de estigma e preconceito. A ocorrência de estigma, discriminação e frágeis condições de saúde mental são consequências frequentemente não reconhecidas deste grupo de doenças.
São consideradas negligenciadas por não receberem a devida atenção no atendimento médico, no desenvolvimento de medicamentos, nos métodos diagnósticos, e nas condições sociais de vida das populações. Embora o Brasil nas últimas décadas tenha implementado medidas para controlar e prevenir essas doenças, elas ainda representam um desafio significativo para a saúde pública, especialmente devido à falta de acesso a serviços de saúde adequados e à dificuldade de diagnóstico precoce em áreas remotas. Além disso, o surgimento de cepas resistentes a medicamentos e a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos tratamentos são outros fatores que contribuem para a persistência dessas doenças no país.
Pautar agendas com ações de controle de doenças tropicais negligenciadas representa uma grande oportunidade para também abordar as desigualdades na saúde, o que significa necessariamente ampliar o acesso a diagnóstico, tratamento e fortalecer os sistemas nacionais de saúde. Avançar com ações de controle em comunidades mais vulneráveis também contribui com a redução da pobreza estrutural e melhora a equidade, a prosperidade e o bem-estar de todas as pessoas. Portanto, a atenção aos problemas de saúde considerados negligenciados é um investimento estratégico na saúde pública global.
No Piauí, o Centro de Inteligência em Agravos Tropicais Emergentes e Negligenciados (CIATEN) dedica trabalhos conjuntos específicos para as doenças tropicais de transmissão direta como: tuberculose, hanseníase e eventualmente, coccidioidomicose. Os esforços são organizados através do Núcleo Temático em Agravos Negligenciados de Transmissão Direta (ANTD), coordenado pela professora Olívia Dias de Araújo, doutora em enfermagem e docente do departamento de enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI). O núcleo também tem como finalidade criar espaços de formação, articulação, discussão e reflexão sobre a tuberculose e hanseníase no âmbito do SUS e a partir desta realidade , analisar à luz das evidências científicas estratégias inovadoras e factíveis no controle e eliminação desses agravos.
As doenças contagiosas que têm capacidade de infectar os seres humanos contam com diversos mecanismos de transmissão. Por exemplo, a transmissão direta é o mecanismo de transferência de um determinado agente causador (vírus, bactérias, protozoários, etc.) em que não há interferência de veículos intermediários, os vetores. Este mecanismo pode se dar de modo imediato, quando existe contato físico entre a fonte primária de infecção e o novo hospedeiro, como por exemplo, a transmissão de Doenças Sexualmente Transmissíveis, ou de modo mediato, quando não há contato físico entre a fonte primária de infecção e o novo hospedeiro, por exemplo, a transmissão por meio das secreções oronasais suspensas no ar, ou por contato pelas mãos e utensílios contaminados.
HANSENÍASE
A hanseníase é uma doença infecciosa crônica, contagiosa, causada pela bactéria Mycobacterium leprae (o bacilo de Hansen) que se multiplica lentamente. Acomete principalmente nervos periféricos, pele e mucosas, principalmente do trato respiratório, podendo causar lesões neurais com danos irreversíveis. Em todo o mundo são registrados anualmente aproximadamente 200 mil casos novos.
A transmissão se dá pelas vias respiratórias, onde o bacilo passa para o ambiente por meio de gotículas, do nariz e da boca, durante o contato próximo e frequente com casos não tratados.
Todas as pessoas que podem ter maior chance de ter contraído a doença devem ser consideradas. O bacilo de Hansen também pode estar presente em familiares ou coabitantes, seja com ou sem sintomas e que, por isso, todas as pessoas devem ser examinadas e acompanhadas por pelo menos 5 anos, já que os sinais e sintomas mais frequentes costumam surgir 5 anos após a infecção.
A doença tem cura e pode ser tratada com a poliquimioterapia (PQT). Este tratamento, com acompanhamento mensal prioritariamente na rede de serviços de atenção primária à saúde, é gratuito no Brasil pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Caso não seja tratada adequadamente, pode causar danos progressivos e permanentes à pessoa, com graves alterações de pele, nervos, membros e olhos, mas também psicológicas e sociais.
É importante saber que já no início do tratamento, pela ação dos medicamentos, a pessoa deixa de transmitir a doença. É difícil afirmar com exatidão quando surgiu essa doença, que já contava com relatos desde os tempos bíblicos, amplamente conhecida pela designação de lepra.
A palavra lepra vem do latim lepros, que significa ato de sujar ou poluir. A lepra como era conhecida na antiguidade é uma das mais antigas patologias registradas pela humanidade. Mesmo fazendo parte do sofrimento humano desde os tempos antigos, a sua identidade etiológica foi descoberta apenas ao final do século XIX, quando o médico norueguês Gerhard Henrik Armauer Hansen, ao analisar material de lesões cutâneas, descobriu a Mycobacterium, o bacilo causador da doença, que pertence ao mesmo gênero do bacilo que causa a tuberculose.
Essa parece ser uma das mais antigas doenças que acometem o homem, por já ser conhecida há mais de três ou quatro mil anos na Índia, China e Japão. Também já existia no Egito quatro mil e trezentos anos antes de Cristo, segundo um papiro da época de Ramsés II. Há evidências objetivas da doença em esqueletos descobertos no Egito, datando do segundo século antes de Cristo.
Enquanto alguns autores afirmam que surgiu na Ásia, outros dizem que surgiu na África, não tendo uma origem definida. No Brasil, a doença foi introduzida com a chegada dos colonizadores europeus, pois não havia registros entre os povos indígenas. Os primeiros casos da doença foram notificados no ano de 1600, na cidade do Rio de Janeiro, onde, anos mais tarde, seria criado o primeiro lazareto, local destinado a abrigar os “doentes de Lázaro, lazarentos ou leprosos”. Após os primeiros casos no Rio de Janeiro, outros focos da doença foram identificados, principalmente na Bahia e no Pará. Esse fato levou as autoridades da época a solicitarem providências a Portugal, sem, entretanto, serem atendidas.
Segundo dados do Ministério da Saúde, as primeiras iniciativas do governo colonial só foram tomadas dois séculos depois do pedido das autoridades locais, com a regulamentação do combate à doença por ordem de D. João VI. Entretanto, as ações de controle se limitaram à construção de asilos e à assistência precária aos doentes.
Segundo dados do Serviço Nacional de Lepra (1960), as medidas legislativas mais importantes até o século XX, ditadas para o controle da hanseníase no território nacional, foram: tornar obrigatório o isolamento dos doentes de hanseníase no Rio de Janeiro, decretado em Lei de 1756; o regulamento assinado em 1787 por D. Rodrigo de Menezes para o hospital da Bahia; o isolamento obrigatório dos doentes no Estado do Pará em 1838; a proibição do exercício de certas profissões pelos hansenianos em 1848 e de 1883 expedição de legislação apropriada com a criação de hospitais-colônias em Sabará.
De acordo com a obra “História da lepra em São Paulo”, de 1939, do médico Flávio Maurano, a endemia hansênica evoluiu por, aproximadamente, três séculos no Brasil e pouco ou quase nada havia sido feito para conter sua expansão. Foi o médico paulista Emílio Ribas que, no ano de 1912, durante o I Congresso Sul Americano de Dermatologia e Sifiligrafia do Rio, destacou a importância da notificação compulsória e de se tratar a hanseníase com rigor científico, além do “isolamento humanitário” em hospitais-colônias que não apenas abrigasse os doentes, mas também trabalhassem a questão da profilaxia, entre as medidas, afastar os filhos recém-nascidos sadios de seus pais doentes e dar-lhes assistência nos educandários ou preventórios. Este sanitarista aconselhava a ação conjunta do Estado, dos municípios e da comunidade para resolver a questão da hanseníase em território brasileiro. Nesta época destaca-se também o envolvimento dos médicos Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e de Alfredo da Matta, no Amazonas.
Por volta de 1916, foi instituída, na cidade do Rio de Janeiro, a Comissão de Profilaxia da Lepra, da qual fazia parte Adolfo Lutz. Neste mesmo ano, Carlos Chagas presidiu o I Congresso Americano de Lepra, também no Rio. No período compreendido entre 1912 e 1920, se constituiu uma fase intermediária da história da hanseníase no Brasil, com o reconhecimento do problema pelas autoridades sanitárias. Emílio Ribas, Oswaldo Cruz e Alfredo da Matta começaram a denunciar o descaso do combate à endemia e a tomar medidas isoladas em suas áreas de atuação, merecendo destaque a iniciativa de Emílio Ribas em São Paulo. Em 1920, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, por Carlos Chagas, foi instituída a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas. As ações de controle de então priorizavam a construção de leprosários em todos os Estados endêmicos, o censo e o tratamento com o óleo de chaulmoogra. Foi neste período que Eduardo Rabello, ocupando o cargo de Inspetor Geral da Lepra, elaborou a primeira legislação brasileira da hanseníase e das doenças venéreas.
Foi também em 1920, com a criação da Inspetoria de Lepra e Doenças Venéreas (ILDV), primeiro órgão federal destinado à campanha contra a hanseníase, que houve uma sensibilização em todo o país quanto ao problema do Mal de Hansen, ocasião em que foram postas em prática as ideias promovidas por Emílio Ribas. Até 1934, ano da extinção do ILDV, foi feita a reforma dos serviços de saúde pública e foram fundados inúmeros hospitais- colônias e preventórios para conter a endemia. Ainda em 1934, foi criada a Diretoria dos Serviços Sanitários nos Estados, que teve, entre outras atribuições, cuidar do problema da hanseníase.
Com a nova organização do Ministério da Educação e Saúde, em 1937, foi extinta a Diretoria dos Serviços Sanitários nos Estados, surgindo em seu lugar a Divisão de Saúde Pública, responsável pelo controle da hanseníase no território nacional. Em 1941, uma nova reforma na saúde pública criou o Serviço Nacional de Lepra, do Departamento Nacional de Saúde. A partir de então, o problema desta doença teve uma avaliação mais metódica e ampla, como há muito exigia a gravidade da endemia hansênica até então.
Data desta época a criação dos dispensários, serviços ambulatoriais para investigação de casos novos e observação de casos suspeitos que seriam internados, caso fosse confirmado o diagnóstico. Desde a década de 1950, o tratamento desta moléstia é feito em nível ambulatorial.
A internação compulsória dos doentes de hanseníase foi abolida por lei em todo o Brasil no ano de 1954. Com o fim do isolamento compulsório, os doentes poderiam sair dos asilos, se assim o quisessem, e o tratamento poderia ser feito em centros de saúde. Porém, após décadas de segregação, muitos escolheram continuar nos “leprosários”, simplesmente porque não tinham para onde voltar e nem como se sustentar na sociedade “sadia” com o dinheiro da aposentadoria que recebiam.
Surgiu então, a partir da década de 1960, modificação dos métodos profiláticos e nas políticas de controle da hanseníase, baseada na descentralização do atendimento e aumento da cobertura populacional, tratamento ambulatorial com sulfona, controle de comunicantes e educação sanitária. Em 1964, com o término da Campanha Nacional de Lepra, as instâncias federais transferiram a responsabilidade do Programa para os Estados. A mudança do nome lepra para hanseníase, proposta por diversos autores na década de 1960, buscou afastar as fantasias e os preconceitos sobre a doença, além de favorecer a educação para a saúde. No ano de 1976, novas políticas para o controle da hanseníase determinaram ações que visavam a educação em saúde, acompanhamento de comunicantes e aplicação de BCG, detecção de casos novos, tratamento dos doentes e prevenção e tratamento das incapacidades físicas que a doença pode causar.
No início da década de 1980, a Organização Mundial da Saúde passou a recomendar a poliquimioterapia (PQT), com esquema terapêutico apropriado a cada forma clínica da doença, para o controle e cura da hanseníase. Além dos medicamentos da PQT, medidas como o diagnóstico precoce, vigilância dos comunicantes, prevenção e tratamento das incapacidades físicas e educação para a saúde fazem parte das políticas atuais. Este é o esquema vigente em todo o território nacional atualmente.
Na atualidade, o Brasil ainda possui a maior carga de hanseníase na região das Américas e a segunda maior no mundo, ficando abaixo somente da Índia. Ao todo, de 2016 a 2020, foram diagnosticados 155,3 mil casos novos dessa enfermidade no país – dos quais 19,9 mil com grau 2 de incapacidade física, que é o mais grave. Dados epidemiológicos dão conta que no Brasil a doença é endêmica, sendo registrados 47.000 novos casos a cada ano. Entre 2011 e 2019, foram registrados 1490 óbitos no país.
Em relação às regiões dos óbitos, 45% ocorreram na região nordeste, 20% na região sudeste, 14% nas regiões norte e centro-oeste e 7% na região sul. A hanseníase tem alta prevalência nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia e Roraima. Santa Catarina e Rio Grande do Sul já erradicaram a hanseníase e São Paulo, Rio Grande do Norte e Distrito Federal estão próximos de atingir a erradicação.
Em janeiro de 2023, durante o seminário “Hanseníase no Brasil: da evidência à prática”, que teve participação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde, foi anunciado a Estratégia Nacional para Enfrentamento à Hanseníase 2023-2030, que parte de uma construção tripartite com a participação de diferentes entidades do setor. Segundo o Ministério da Saúde, a Estratégia prevê o alcance de metas como a redução em 55% da taxa de casos novos de hanseníase em menores de 15 anos de idade até 2030, tendo como ano base 2019; redução em 30% do número absoluto de casos novos com grau de incapacidade física 2 (GIF2), quando o paciente apresenta lesões consideradas graves nos olhos, mãos e pés; e dar providência a 100% das manifestações sobre práticas discriminatórias em hanseníase registradas nas Ouvidorias do SUS.
Além disso, durante o Seminário foram lançados o Painel Interativo de Indicadores - Hanseníase no Brasil, com acesso a dados da infecção, com base no levantamento do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan); a versão beta do aplicativo AppHans, que vai oferecer conteúdo textual e visual para apoiar os profissionais de saúde no diagnóstico, tratamento, prevenção de incapacidade física e reações hansênicas; e compartilhadas vivências bem-sucedidas no SUS no enfrentamento à hanseníase.
TUBERCULOSE
Já a tuberculose é uma doença infecciosa e transmissível que afeta prioritariamente os pulmões, embora possa acometer outros órgãos e/ou sistemas, podendo levar à morte. A doença é causada pelo bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis). A transmissão é aérea e se instala a partir da inalação de gotículas que saem durante a fala, espirro, cuspe ou tosse das pessoas com tuberculose ativa (pulmonar ou laríngea), que lançam no ar partículas em forma de aerossóis contendo bacilos. Uma pessoa precisa inalar apenas alguns bacilos para se infectar. Daí a importância de avaliar e acompanhar os comunicantes de uma pessoa acometida.
Quando uma pessoa desenvolve tuberculose ativa, os sintomas podem ser leves por muitos meses. Isso pode levar a atrasos na busca de cuidados, e resulta na transmissão da bactéria para outras pessoas. O principal sintoma da tuberculose pulmonar é a tosse na forma seca ou produtiva por três semanas ou mais. Há outras manifestações que podem estar presentes, como: febre no final da tarde (vespertina), transpiração em excesso, perda de peso e cansaço/fadiga. A despeito da forma mais conhecida da doença ser a pulmonar, pele, rins, intestinos e ossos também podem ser atingidos. A forma óssea da tuberculose atinge a coluna em cerca de 50% dos casos e pode resultar em deformações na coluna. Esses danos foram descritos pelo médico inglês Percival Pott no século XVIII; desde então essa forma é conhecida por Mal de Pott.
Também conhecida como tísica pulmonar, “peste branca” ou “doença do peito”, a tuberculose é uma doença infecciosa documentada desde longa data. As origens desta enfermidade infecto-contagiosa não estão, até o momento, completamente esclarecidas. A hipótese mais aceita é que ela tenha surgido há aproximadamente oito mil anos, a partir do contato com auroques (Bos primigenus) – bois selvagens, contaminados com a bactéria causadora da tuberculose bovina – Mycobacterium bovis.
Acredita-se que pequenos núcleos populacionais mantiveram desde o período pré-histórico uma discreta endemicidade e a disseminação da tuberculose teria acompanhado as sucessivas e crescentes correntes migratórias humanas.
Evidências de decomposição tubercular encontradas em múmias do Egito, indicam que a tuberculose tenha acometido a humanidade há pelo menos 4 mil anos. Estima-se que a bactéria causadora da doença tenha evoluído há 15 ou 20 mil anos, a partir de outras bactérias do gênero Mycobacterium. A presença da tuberculose pré-colombiana na América do Sul foi confirmada em achados arqueológicos no Peru, Venezuela e Chile, inclusive em sua forma disseminada (miliar). Todavia, acredita-se que esta doença e seu agente causal teriam comportamentos diferentes aos observados após a colonização europeia. Sustenta-se que a tuberculose americana original teria ocorrido pela contaminação humana com uma micobactéria livre, primitiva, talvez a própria Mycobacteria bovis, menos virulenta que a trazida pelos europeus após a invasão das Américas.
Os indígenas parecem ter sido, de fato, os principais atingidos durante o período colonial. No Brasil, os padres Manuel da Nóbrega e Anchieta são alguns dos prováveis portadores notórios da tuberculose e certamente contribuíram para a sua disseminação entre os nativos. Contudo, populações urbanas coloniais também sofriam do mal, e a escrófula (tuberculose linfática que cursa com o quadro de ínguas supurativas) foi descrita como uma das doenças que importunavam cidadãos paulistanos no século XVIII.
Na Europa dos séculos XVIII e XIX, principalmente durante e após a Revolução Industrial, com as migrações cada vez maiores para ambientes urbanos confinados e de má higiene, a tuberculose encontrou seu espaço na história como a causadora de muitas tragédias sociais. Na reforma urbana de Paris promovida pelo Barão de Haussmann entre 1852 e 1870, estima-se que nada menos de 80% da população carente, expulsa para a periferia de Paris, tenha sucumbido pela doença. No restante da Europa dos anos 1800 a tísica era apontada como causadora de 30% das mortes em geral.
Durante o Brasil Império, há estimativas de que a mortalidade pela doença, em 1855, se aproximava de 1 para cada 150 habitantes. Neste momento, o setor público de saúde começou a conceder maior destaque a esta doença, através da participação do Dr. Francisco de Paula Cândido, o qual, presidindo a Junta Central de Higiene do Império, obteve aprovação no Parlamento para a adoção de medidas sanitárias para o controle da tuberculose.
Neste contexto, visando à abordagem das condições de higiene das habitações coletivas, chamadas de“cortiços” e das epidemias de tuberculose, varíola, febre amarela e disenterias, então habituais no Rio de Janeiro, diversas leis para assuntos habitacionais e questões sanitárias foram instituídas a partir de 1870.
Com efeito, entre os anos de 1876 e 1886, contabilizaram-se cinco decretos e um aviso ministerial estabelecendo novas regras para os serviços de saúde nas cidades. Similarmente ao que ocorreu na Europa durante a Revolução Industrial, a epidemia de tuberculose no Brasil tornou-se realidade na maior parte das cidades, sendo denominada pejorativamente de “a praga dos pobres”, dada sua íntima relação com moradias insalubres, apresentando pequeno espaço interior e aglomeração de pessoas, com falta de higiene e com alimentação deficiente, elementos observados na população mais acometida.
Complicando ainda mais este cenário, descreve-se que ao longo do século XIX, a atenção à saúde era insuficiente e as questões relacionadas à higiene e à urbanização, nas grandes cidades, ficavam em grande medida a cargo das autoridades locais. Ademais, a saúde pública era gerida de acordo com os interesses econômicos e políticos da elite. Sendo assim, as práticas sanitárias visavam controlar doenças que pudessem comprometer diretamente a expansão econômica capitalista. A repercussão social desses fatos seria observada no final do século XIX e início do século XX, quando a tuberculose passou a ser considerada a principal causa de morte no Rio de Janeiro.
No âmbito assistencial, as Santas Casas de Misericórdia tiveram papel pioneiro e solidário na atenção aos pacientes tuberculosos, desde o período do Brasil colônia, até a criação dos sanatórios e dos dispensários a partir do ano de 1920. Fundamentadas em uma concepção humanitária de assistência, as irmandades desempenhavam o papel de amparar os pobres, ofertando-lhes alimentação e descanso. Neste período de tempo, ainda mantinham-se elevadas taxas de morbimortalidade pela doença, contexto que se perpetuou até meados do século XX, época na qual, efetivamente, as mesmas começaram a declinar, com o advento da terapia farmacológica.
Do ponto de vista epidemiológico, no século XIX, a tuberculose representou importante causa de mortalidade no Brasil, descrevendo-se cerca de 700 óbitos a cada 100.000 habitantes. A despeito disso, a doença também era vista de forma “positiva” por parte sociedade da época. De fato, até a metade do século XIX, o tuberculoso foi percebido por seus contemporâneos em uma posição de refinamento, motivado pelo ideário romântico, especialmente entre intelectuais, literatos e artistas. Neste contexto, a visão lírica da doença permitia aos artistas expressarem seu sentimento de ambivalência, ora pelo sofrimento que a doença gerava, ora pela peculiaridade que a ela lhes garantia. Embora fossem conhecidas as repercussões dramáticas quanto aos prejuízos à saúde, poetas do romantismo utilizaram da doença para se expressarem poeticamente no período do auge desta escola literária.
A partir do século XX, no entanto, ocorre o declínio da associação entre a tuberculose e a criação artística, a partir de quando a doença passa a ser identificada, de forma mais clara, como preocupante problema de saúde, por sua persistência e propagação, particularmente entre as populações desfavorecidas.
Relacionado a esse novo cenário, observou-se, também, a mudança de concepção sobre a enfermidade, passando de “mal romântico” a “mal social”, contexto que acabou convergindo para a estigmatização social do enfermo, a qual se perpetua, de certa maneira, até os dias atuais.
A tuberculose no século XX caracterizou-se por altas taxas de mortalidade, sobretudo até o final dos anos 40. A partir de então, começaram a ser utilizados medicamentos para o tratamento da doença. Marcada como uma das principais causas de óbito nas capitais, superada, geralmente, por diarreias e pneumonias, estima-se que nesse período a tuberculose tenha sido responsável por aproximadamente 10% dos óbitos ocorridos na cidade de São Paulo. A ausência de participação efetiva do poder público para o controle da tuberculose permitiu o surgimento, entre médicos e sociedade civil, das primeiras instituições criadas especialmente para abordar o problema, seguindo modelos europeus.
Nesse contexto, em 1899, foram fundadas a Liga Brasileira Contra a Tuberculose no Rio de Janeiro, atual Fundação Ataulpho de Paiva e a Liga Paulista Contra a Tuberculose. As Ligas atuaram na propagação de métodos de tratamento e de profilaxia vigentes no meio médico-social europeu, destacando-se: Campanhas de educação sanitária, atendimento aos pobres e estímulo à criação de sanatórios, dispensários e preventórios. A participação do setor público naquilo que ficou conhecido como luta contra a tuberculose se iniciou efetivamente com o médico Oswaldo Cruz, então Diretor Geral de Saúde Pública, no início do século XX, ao reconhecer a necessidade da atenção das autoridades sanitárias em relação à doença. Instituiu-se, então, o Plano de Ação Contra Tuberculose, visando à implantação de condutas profiláticas e terapêuticas, atingindo, contudo, pouca repercussão. Um evento importante para a história da tuberculose no século XX foi a Reforma Carlos Chagas, a qual deu início, em 1920, a uma fase de maior comprometimento do Estado no controle da doença.
Foi, então, criada a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose, cuja finalidade era estabelecer o diagnóstico e o tratamento dos casos da doença, além de se empenhar na sua prevenção. Sob supervisão da Liga Brasileira Contra a Tuberculose iniciou-se, em 1927, a vacinação com o Bacilo de Calmette e Guérin (BCG) em recém-nascidos. Posteriormente, em 1930, houve um incremento na formação de profissionais preparados para as ações dirigidas ao controle da enfermidade, a partir da inclusão do ensino de Tisiologia no currículo da Faculdade Nacional de Medicina, por Clementino Fraga.
No ano de 1941, surgiu o Serviço Nacional de Tuberculose (SNT), com o objetivo de estudar as questões referentes à enfermidade, bem como colaborar para o desenvolvimento de métodos de ação preventiva e assistencial. Mais tarde, em 1946, sob coordenação do Diretor do SNT, Raphael de Paula Sousa, foi criada a Campanha Nacional Contra a Tuberculose (CNCT), tendo como escopo coordenar as ações governamentais e privadas de controle da tuberculose desenvolvidas no país. Este feito teve grande impacto na época, tendo em vista suas repercussões na atenção à saúde a partir da ampliação da estrutura hospitalar em todo o país, uniformidade das ações de saúde e descentralização dos serviços.
Entretanto, o marco do tratamento e do controle da tuberculose ocorreu com a descoberta da estreptomicina pelo americano Selman Waksman, o que lhe garantiu o Prêmio Nobel em Medicina em 1952. Abriram-se, assim, nas décadas seguintes, perspectivas para a busca e a utilização de novos fármacos, incluindo a isoniazida, pirazinamida, etambutol e a rifampicina. Além destes medicamentos, até hoje utilizados na primeira linha para o tratamento da doença, o ácido para-amino salicílico e a tiacetazona, dentre outros, surgiram como fármacos de segunda escolha.
No final da década de 1970, diante das queixas relativas ao método, a abreugrafia foi substituída pela realização sistemática de baciloscopia em sintomáticos respiratórios como estratégia de rastreamento de pacientes tuberculosos, uma vez que esta apresenta menor custo e mais fácil operacionalização. Progressivamente, a realização do exame deixou de ser exigida para o fornecimento dos atestados de saúde, até que, em 1990, o Ministério do Trabalho e Previdência Social determinou a exclusão da abreugrafia da lista de exames médicos obrigatórios relacionados à saúde do trabalhador.
Com a evolução dos esquemas terapêuticos há paulatina redução do tempo de duração do tratamento, passando de 24 meses (1944) para seis meses (1979), o que pode ter contribuído, em parte, para a maior adesão ao tratamento medicamentoso. O impacto da terapêutica farmacológica na história da tuberculose pode ser observado pela diminuição da mortalidade em São Paulo: redução de 7,5% ao ano até 1985. No entanto, o sucesso terapêutico não foi acompanhado pelo controle da doença, conforme era esperado. Contrariamente, a tuberculose ressurgiu como uma das principais doenças infecciosas no mundo contemporâneo, sendo declarada em 1993, pela OMS, como um grave problema de saúde global. Ademais, após o surgimento da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) em 1981, foi observado um agravamento no número de casos de tuberculose em pessoas vivendo com HIV.
A utilização inadequada dos medicamentos – seja pelo número de tomadas, pelo emprego de esquemas de baixa potência ou pelo abandono do tratamento – tem contribuído para o surgimento de resistência do M. tuberculosis aos fármacos. Este, contudo, não é um problema novo; de fato, no Brasil, os primeiros registros de resistência datam de 1958-1959, nos pacientes em tratamento na cidade do Rio de Janeiro, então Estado da Guanabara. A partir da década de 1960, várias medidas foram implantadas visando o melhor controle da doença, como a padronização do esquema para os casos novos com estreptomicina, ácido paraminosalicílico e isoniazida.
Mais recentemente, o advento da tuberculose multirresistente (TB-MR – em inglês: multidrug-resistant tuberculosis) e da tuberculose extensivamente resistente (TB-XR – extensively drug-resistant tuberculosis) tem complicado ainda mais o cenário da moléstia. A TB-MR consiste na infecção por bacilos resistentes à rifampicina e à isoniazida, ao passo que a TB-XR refere-se à presença de cepas multirresistentes que também são resistentes às fluoroquinolonas e a qualquer medicamento injetável considerado de segunda linha para o tratamento (amicacina, kanamicina ou capreomicina). Tais bacilos associam-se à maior falha terapêutica, ao pior prognóstico, a mais efeitos colaterais pelo uso de esquemas alternativos e, assim, ao maior custo agregado.
Embora notória durante o século XX, a redução da mortalidade por tuberculose não foi mantida nas últimas décadas. Dentre as razões para tal situação destacam-se: a desigualdade social e seus determinantes, o advento da AIDS, a multirresistência do bacilo causador da doença, o envelhecimento da população e os movimentos migratórios. Felizmente, frente à atual conjuntura, ações têm sido propostas com o propósito de reverter esse quadro, como o fortalecimento da estratégia de Tratamento Supervisionado (TS), a capacitação de profissionais dos diversos níveis de atenção à saúde que assistem aos pacientes acometidos pela doença e a investigação diagnóstica de sintomáticos respiratórios, isto é, das pessoas que apresentam tosse há mais de três semanas. Estas iniciativas representam estratégias eficazes para a detecção precoce do indivíduo com a enfermidade, objetivando, assim, a pronta instituição terapêutica e o menor surgimento de resistência.
Três dimensões: humanitária, de saúde pública e econômica, são atualmente justapostas para controle global da tuberculose, o que permite maior otimismo frente a esta nova abordagem interdisciplinar da doença. Neste sentido, o estudo da evolução da tuberculose é importante para a compreensão das diversas camadas com os quais a doença atinge a história da humanidade, uma vez que poderá oferecer subsídios para a elaboração das políticas públicas de saúde visando seu controle, além de apontar para a não repetição de erros como a estigmatização social do doente, a qual ecoa, historicamente, até os dias atuais.
Os danos foram imensos. Estima-se que de 1700 a 1900, a tuberculose tenha sido responsável pela morte de aproximadamente 1 bilhão de seres humanos. Em 1882, o bacilo causador da doença M. tuberculosis, foi descrito por Heinrich Hermann Robert Koch. Antes da descoberta do bacilo de Koch, a taxa anual média de mortalidade era de 7 milhões de pessoas. A despeito dos avanços alcançados por determinações higiênicas, o grande controle da tuberculose surgiria apenas a partir de 1943 com o invento da estreptomicina. Sua erradicação, entretanto, ainda parece estar longe de ser alcançada.
A tuberculose tem cura e é prevenível. O tratamento da tuberculose dura no mínimo seis meses, também é gratuito e está disponível pelo SUS, prioritariamente nas unidades de atenção primária à saúde. Logo nas primeiras semanas do tratamento, a pessoa se sente melhor e, por isso, precisa ser orientada a realizar o tratamento até o final, mesmo que tenha havido o desaparecimento de sintomas. O tratamento irregular pode complicar a doença e resultar em tuberculose resistente.
O início do tratamento já impacta positivamente na pessoa e em sua família e rede social, por interromper a transmissão da bactéria. Todas as pessoas que seguem o tratamento corretamente em momento oportuno ficam curadas da doença.
SITUAÇÃO NO PIAUÍ
Fontes a respeito da chegada da hanseníase e tuberculose no Piauí são escassas, mas provavelmente ocorreu da mesma maneira das demais regiões do Brasil, através das viagens de colonos de origem europeia, também contando com disseminação através do tráfico de escravos africanos.
No âmbito regional, a Secretaria de Estado de Saúde do Piauí, junto ao Ministério da Saúde, é um dos órgãos que desenvolve ações de vigilância e controle da tuberculose e da hanseníase em todo o estado. Essas doenças negligenciadas ainda atingem um número elevado de pessoas no Brasil, mas com a execução das estratégias de redução de casos, a Secretaria conseguiu reduzir a incidência de tuberculose e diminuir a subnotificação de casos novos dessas doenças nos últimos anos. No entanto, a carência em sínteses da literatura, epidemiologia analítica, bioestatística, análise de risco, entre outros, geram vulnerabilidades na elaboração de políticas eficazes para o controle das doenças tropicais. De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), a hanseníase e tuberculose ainda seguem fazendo vítimas no Brasil e no Piauí. A tuberculose, apesar de ter cura e contar com tratamento gratuito pelo SUS, ainda é um sério problema de saúde pública, com grande subnotificação em áreas mais remotas. A cada ano, são notificados, em média, 70 mil casos novos e ocorrem cerca de 4,5 mil mortes em decorrência da doença no Brasil. Os dados mais recentes da secretaria sobre tuberculose apontam que em 2021 foram 1015 novos casos notificados da doença, destes, 745 são casos da forma pulmonar da doença, que apresenta alta transmissibilidade. Em relação à mortalidade, o estado passou de uma taxa de 1,6 mortes por 100 mil habitantes em 2019 para uma taxa de 2 mortes a cada 100 mil habitantes em 2021. A subnotificação dessa doença ainda é um problema persistente, pois faltam testes para a detecção da doença no estado e o diagnóstico precoce é uma das formas de reduzir a taxa de mortalidade.
De acordo com a Sesapi, o Piauí registrou em 2022, 692 novos casos de hanseníase. Do total, 22 casos foram em menores de 15 anos de idade, quando a doença é identificada ainda em atividade.
Nesse sentido, o CIATEN busca treinar e qualificar pesquisadores e profissionais de saúde para melhorar o entendimento das causas e dinâmicas dos agravos negligenciados, para a elaboração de políticas públicas adequadas desde a estrutura de morbidade e mortalidade à organização dos serviços concernentes à atenção básica e componentes estratégicos da saúde do estado. O Centro junta inteligência científica com a saúde pública para oferecer respostas ao estado e à sociedade, que poderão ser reproduzidas e adaptadas para outras regiões tropicais dentro e fora do Brasil.
Nos últimos anos, desde 2019, o CIATEN desenvolveu uma série de atividades informativas voltadas para a população teresinense, tais como: cursos de atualização, boletins e informes epidemiológicos, organização de campanhas de mobilização, palestras, reuniões, ações em conjunto com as ligas acadêmicas, secretarias de saúde, criação e articulação dos comitês de experts em hanseníase e tuberculose, bem como atividades e ações junto ao movimento social MORHAN (movimento de reintegração de pessoas atingidas pela hanseníase) e populações de periferias e zonas rurais e nas comunidades quilombolas.
Em 2020, parcerias realizadas entre o CIATEN com a Universidade Aberta do SUS (UNASUS) e a SESAPI geraram atividades informativas acerca das duas enfermidades como a realização dos cursos de “Exame de contatos de Hanseníase na Atenção Básica” e “Controle de contatos da Tuberculose para Atenção Básica”, voltados para profissionais de saúde em Atenção Básica, residentes do Programa de Residência de Saúde em Família e Comunidade e áreas afins. Os encontros forneceram conhecimentos para aprimorar a qualidade de intervenção dos profissionais da saúde no exame adequado dos contatos de hanseníase e tuberculose, de forma prática e dinâmica, contribuindo para o diagnóstico, tratamento precoces dos casos confirmados, além da redução do sofrimento, capacitando os profissionais e alunos na avaliação de controle dos casos, melhorando assim o contexto epidemiológico e operacional no estado.
Em 2021, o CIATEN também foi responsável pela realização do I Fórum Estadual Virtual de Tuberculose, em parceria com a SESAPI, o Laboratório Central de Saúde Pública do Piauí (LACEN) e a UFPI. Realizado de maneira remota por conta da pandemia de covid-19, o evento tratou dos desafios enfrentados no Piauí e no contexto nacional, as principais causas e tratamento da tuberculose, além de abordar também o problema da covid-19.
Desde 2016, o Ministério da Saúde oficializou o mês de janeiro e a cor roxa para a campanha “Janeiro Roxo”, cujo objetivo principal é ampliar o conhecimento da população sobre a hanseníase, por meio de ações educativas. No Piauí, membros do CIATEN estiveram envolvidos nas ações intersetoriais, interdisciplinares com produção de cartilhas digitais, mutirões e atividades artísticas para o janeiro roxo de 2023.
Merece destaque também a parceria com o MORHAN, que em conjunto produziram a oficina “Hanseníase e Comunicação: para não esquecer a hanseníase é preciso comunicar”, voltada para o complemento na formação jornalistas e comunicadores populares com o objetivo de apresentar a história e atividades do MORHAN e orientar os comunicadores para utilizar os termos corretos e poder repassar informações acerca de diagnóstico e tratamento da doença.
O CIATEN, através da sua produção e publicação de conhecimentos acerca dos agravos tropicais para o contexto do Piauí, contribui enormemente para a criação de medidas de prevenção, controle, tratamento e reabilitação, através do poder público.
“Primeiro, nós trabalhamos com evidências científicas, como mapa de evidências, boletins, informes epidemiológicos, para poder ensejar políticas públicas. Existem projetos de políticas que ainda não foram implementadas, como por exemplo a notificação de reação hansênica, o que mata na doença, que é uma reação imunológica que não é a um medicamento, mas sim do próprio organismo à doença e precisa ser notificado porque se utiliza no tratamento medicamentos corticoides como talidomida, que necessita ter um acompanhamento mais próximo pois caso não tenha há o risco de óbito. Então é necessário que se faça uma vigilância a essas reações, que muitas vezes ocorrem após o tratamento, então a pessoa acometida está a essa altura fora do sistema de informação e por isso acabamos sem saber quantos são e onde estão. Essa política de vigilância aos episódios de reação é muito importante. O Piauí inclusive faz parte de um projeto piloto no ministério da saúde e nós consideramos essa medida muito urgente. Além claro, da implementação da linha de cuidado em hanseníase, que foi elaborada já a algum tempo e que precisa que saia do papel para consolidarmos para o Piauí. Por que não é bom que uma pessoa diagnosticada com a doença precise viajar dos municípios do extremo sul para ser diagnosticada em Teresina. É necessário o fortalecimento de uma rede de vigilância, cuidados e reabilitação dessas pessoas”, afirma a professora Olívia Araújo.
Os estados reacionais são eventos imunoinflamatórios, que se expressam, em sua maioria, de forma sintomática, podendo ser localizado ou sistêmico, ocorrendo em tempos distintos (antes, durante ou após o tratamento) e necessitam de intervenção imediata.
O Projeto Vigilância de Estados Reacionais em Hanseníase do qual a fase piloto começou com Teresina e Palmas, capital do Tocantins tem o objetivo de qualificar a atenção em saúde com vistas à atenção integral, além de ofertar um serviço com qualidade e subsidiar o planejamento das ações de controle. O projeto pretende envolver toda a Atenção Básica de Saúde do município, além das unidades referência para pacientes com hanseníase e também qualificar os profissionais para o manejo adequado dos episódios reacionais da doença hanseníase.
O cenário exige o desenvolvimento de intervenções e métodos combinados da saúde pública nos diversos territórios do Brasil, com o investimento em pesquisas na área, que também traz contribuições para o controle deste grupo de doenças e levar à melhoria da qualidade de vida da pessoa acometida por uma doença tropical negligenciada. O enfrentamento dessas doenças depende de ações articuladas e intersetoriais, que envolvam não apenas o desenvolvimento de pesquisas estratégicas para superar as atuais deficiências, principalmente em relação a diagnóstico e tratamento, mas também ações voltadas para a ampliação no mercado da viabilidade de acesso a estas intervenções.
Uma ação fundamental é a superação dos desafios para aperfeiçoamento da saúde pública a fim de garantir a todas as pessoas o direito à saúde em seus territórios. Isto inclui necessariamente a disponibilidade de serviços de saúde qualificados para atenção integral, com acessibilidade a prevenção, diagnóstico precoce e tratamento oportuno a cada uma destas doenças. É fundamental fortalecer o SUS como política essencial à vida, lembrando que em muitos territórios do país, estas doenças estão sobrepostas.
Tendo reconhecido as origens deste grupo de doenças, uma urgência humanitária é a redução das desigualdades sociais. A luta pelo direito a uma vida digna, pela garantia de ambiente saudável, água com qualidade, saneamento, moradia digna, alimentação correta, educação transformadora, trabalho, renda e lazer, são essenciais para uma sociedade livre de doenças infecciosas e negligenciadas. Portanto, toda a sociedade, em especial as lideranças comunitárias e sociais devem estar conscientes de seu papel como agentes de desenvolvimento humano e social, com atuação articulada que fortaleça o controle destas doenças a partir de um movimento de luta contra as mazelas da injustiça social.
“Acredito que evoluímos muito quando consideramos o trabalho conjunto. Principalmente entre as instituições de ensino superior com o CIATEN e os movimentos sociais. É importante escutarmos e dar voz a essas pessoas porque as políticas devem ser feitas ‘de, com e para’ essas pessoas. E as principais dificuldades enfrentadas são justamente a própria negligência da qual lutamos contra. São doenças tropicais negligenciadas mas que de fato são doenças de pessoas negligenciadas, aí incluindo populações vulneráveis. Então elas precisam ser vistas pelo poder público, pelo SUS, ter um acesso qualificado.
Ainda temos dificuldades no acesso, na qualificação profissional ao atendimento, apoio operacional, laboratórios, principalmente no caso da tuberculose. Ainda são vários desafios, mas temos buscado trabalhar em conjunto com a Sesapi, movimentos sociais, buscando alternativas e possibilidades para os problemas de hanseníase e tuberculose no nosso estado”, finaliza a professora Olívia. ∎
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