Meninas do Piauí são destaque em evento internacional de inovação tecnológica e recebem prêmio
Quando falamos de revolução tecnológica, pensamos em smartphones, tablets, notebook, avanços em ferramentas que facilitem processos em cirurgias ou favoreçam a fabricação de produtos, até mesmo desenvolvimento de sites, serviços de Streaming ou numa infinidade de conhecimentos adquiridos que interajam com a sociedade a níveis cada vez mais rápidos. Contudo, ainda existem muitas diferenças quando falamos sobre como essas ferramentas e espaços são ocupados por homens e mulheres.
Mesmo o número de pesquisadoras em instituições de ensino seja majoritariamente feminino, ainda existe desconfiança do mercado em profissionais mulheres - principalmente quando a profissional ocupa um espaço dominado por homens, como cursos de Ciências da Computação, Engenharias, etc - aparente reflexo do preconceito gerado a partir de estruturas patriarcais que regem os fatores econômicos, políticos e sociais em cidades brasileiras.
Apesar desta dura realidade enfrentada pelas mulheres, estudantes do Instituto Federal do Piauí (IFPI), do curso de Eletrônica, foram destaque na etapa sul-americana da Imagine Cup, evento realizado pela empresa Microsoft, em 2018, em São Paulo. O projeto foi coordenado pelo professor Francisco Marcelino, professor do curso de Eletrônica e Coordenador do Laboratory of Intelligent Robotics, Automation and Systems (LABIRAS), e recebeu o troféu de escolha do público.
Marcelino afirma que a ideia surgiu a partir de uma conversa com uma família que necessitava do equipamento, mas não tinham recursos financeiros para tal. “Uma família nos procurou. A criança da família devia ter uns três anos de idade na época. Ela nasceu sem um braço, tinha um normal, mas o outro não tinha o antebraço completo, apenas do cotovelo até metade do antebraço. Eles falaram: ‘professor aquele braço comum, aquele braço estético, só a mão parada, é de 10 a 15 mil reais, e o que tem o braço com feedback, com sensores, que sente o músculo da criança, que a mão abre e fecha é 150 mil reais. Aí a gente queria uma maneira de poder resolver isso.’ Nós propomos o projeto, mas infelizmente não deu certo para a criança, pois não conseguimos adaptar a prótese para seu tamanho, porém conseguimos fazer o esquema da prótese, de um modo geral, em que você consegue utilizar o sensor, produzido pelo LABIRAS, para coletar o sinal da musculatura da pessoa ao abrir e fechar a mão”, relata.
A mão comercial, além de seu alto custo, no valor de 150 mil, também deveria passar por treinamento com o usuário da prótese nos Estados Unidos (EUA) e ficar cerca de dois meses no país para que pudesse treinar e se acostumar com o uso da prótese, situação utópica à realidade de muitas famílias no Brasil.
A partir de incentivo do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior (Pibic.Jr), o projeto que inicialmente tinha por objetivo construir próteses de baixo custo para pacientes amputados, adquiriu um novo objetivo após o amadurecimento da ideia. Luize Cristina e Sara Sampaio - atualmente estudantes do curso de Fisioterapia - foram responsáveis pela evolução desse projeto - em conjunto com a equipe do LABIRAS - conseguiram construir sensores capazes de medir o nível de estímulos nervosos no local afetado, além de apresentar dados quantitativos aos terapeutas ocupacionais sobre o processo de recuperação do paciente foi a cereja do bolo.
Marcelino afirma que a partir desse problema foi observado a necessidade de facilitar o atendimento dos pacientes que passavam pelo terapeuta ocupacional - profissional responsável pelo acompanhamento. “Quem cuida desses quadros de saúde é o terapeuta ocupacional. Porém, o terapeuta ocupacional resolve muitos casos, que para o número de pessoas não apenas com esse problema da prótese, mas diversos problemas de saúde, é uma demanda muito grande. Pensando nisso, a gente fez o seguinte: produzimos o sensor, colocamos outros sensores lá dentro, e com isso realizamos o processo de gamificação para saber se a criança estava exercitando aquele músculo, porque se ela ficasse sem exercitar o músculo, o braço poderia atrofiar, pois é cortado os impulsos nervosos enviados ao membro afetado”, afirma o professor.
Luize Cristina, 18 anos, foi uma das aulas a desenvolver o projeto. Ela conta sobre a participação no evento que rendeu prêmio aos únicos representantes do Piauí. “Foi uma coisa muito nova e muito importante para mim. Até porque quando chegamos lá, a maioria das pessoas que estavam participando eram de outros países como México, Argentina e Chile. Eram pessoas formadas, estavam terminando o Mestrado ou Doutorado, e a minha equipe era formada por duas alunas do Ensino Médio que era eu, a Sara - que estudava comigo no 3º ano - e o Vinícius que também era da turma de Elétrica no Instituto”, relata.
A aluna conta que uma das etapas de classificação era realizar uma apresentação de dez minutos, em inglês, além de mais cinco minutos reservados à perguntas. Por conta da alta demanda, mais de 900 projetos inscritos, a comissão organizadora decidiu por aumentar o contingente de participantes de nove equipes para treze. “Eu lembro que esse foi um dos pontos que a gente se atrapalhou um pouco. Como era um evento muito grande - era uma coisa nova - a gente não tinha fluência em inglês, e na hora de apresentar o emocional pesou. Por conta do nervosismo a gente não conseguiu explicar direito o projeto”, destaca.
Desenvolvendo a prótese robótica
O projeto que começou como Iniciação Científica, realizou a criação da prótese de baixo custo com materiais 3D. Porém, não era o bastante, a obra só estaria completa com um sistema de supervisão para o membro afetado do paciente. Conquista realizada a partir da criação de sensor para medição do nível de estímulo muscular. A prótese também realiza a movimentação dos dedos, possibilitando aos pacientes que não tenham mão conseguirem agarrar um objeto - como um copo de água, por exemplo. O projeto pode ajudar os pacientes a superarem os desafios e dar suporte no processo de reconquista da auto estima e autonomia.
As pesquisas continuaram mesmo após o término da bolsa de iniciação científica do Pibic.Jr. - cerca de um ano e meio de investimento ao projeto. Luize e o grupo de colegas que participavam do LABIRAS, continuaram evoluindo o projeto, desenvolvendo assim, um sistema integrado a prótese, direcionado ao terapeuta ocupacional. Ela conta como chegaram a esse desfecho. “Ao estudar, a gente viu que no mundo todo, principalmente no Piauí, existia um grande número de desistência de pacientes que realizam o processo de reabilitação. Contudo, pessoas amputadas precisam realizar obrigatoriamente esse acompanhamento com o fisioterapeuta para que não ocorra atrofia muscular e o membro não fique inutilizável, relata.
O projeto ganhou impacto e o que seria uma prótese de baixo custo, passou a ser um estudo para construção de um membro artificial capaz de realizar a movimentação dos dedos, e que ligado a um módulo bluetooth usa um sistema próprio para conectar o sensor da prótese a um aplicativo de celular. “Esse aplicativo era conectado com a prótese a partir de bluetooth, e lá tinha um joguinho para pessoa ficar jogando, derrotando os monstrinho, através de contração muscular, e essas contrações musculares eram medidas através do mesmo sensor que a gente utilizou para fazer a medição do nível muscular que faria a prótese abrir e fechar”, destaca a estudante.
Após o bem sucedido desenvolvimento da prótese robótica, as ideias não param por aí. Luize revela que já estão realizando outros estudos para a elaboração de um novo protótipo - o desenvolvimento de um bracelete - que também irá contar com o sensor da prótese. Esse novo projeto poderá ajudar não apenas pacientes amputados como também pessoas que tenham sofrido com Ataque Cardiovascular (AVC) e que perderam parte da movimentação do membro, por exemplo. “O objetivo é esse, além do joguinho, além de ser um processo de reabilitação de maneira lúdica, de forma divertida para o paciente, o sistema deve auxiliar o profissional de saúde com resultados em forma de gráfico para que ele possa avaliar de forma quantitativa e ver quanto o paciente está melhorando. Ser possível ver todo o progresso dele e não só avaliar a olho nu, como normalmente é feito”, destaca.
Preconceito na Ciência
Apesar do bom índice de rendimento nas áreas de Ciências da Tecnologia, ainda existe muito preconceito com as mulheres, tanto na academia quanto no mercado de trabalho, prejudicando assim, o sonho de muitas meninas que desejam ingressar nas ciências.
Quando questionada sobre o preconceito que as mulheres sofrem no campo da ciências tecnológicas, Luize afirma que presenciou diversas dificuldades quanto ao tema. “Eu acho engraçado que sempre que alguém me pergunta como é ser mulher e ser envolvida com tecnologia, lembro do meu primeiro dia de aula no IFPI. Minha turma de Eletrônica, com 40 alunos em sala de aula, só tinham apenas três meninas, contando comigo. No início era bastante estranho, eu nunca tinha estudado em uma turma com tanto menino como na minha turma do ensino médio. Mas com o decorrer dos dias, com o decorrer dos exames eu vi que aquilo me prejudicou muito, porque como pessoa e como profissional também - formada em eletrônica - existe muito preconceito. O pessoal começa a generalizar como um curso só para homens e que por ser mulher não vai ser uma boa profissional naquilo. Então, por ser apenas três meninas, eu e as minha amigas, sempre fomos muito unidas, a gente sempre se ajudou, principalmente nas matérias do curso, porque queríamos mostrar que a gente também poderia aprender aquilo que estava sendo ensinado e não apenas na teoria como também na prática”, relata.
Professor Marcelino aponta a importância que as instituições têm em preservar o bem-estar das alunas. “Você imagina, uma jovem, mulher - tecnologia já é um negócio meio complicado no mercado de trabalho - elas ainda no ensino médio ganhando prêmios a nível internacional e nacional, além disso tudo, elas no nível superior no primeiro período, chegam com a mentalidade mais madura até mesmo do que os formandos que nunca produziram um artigo sobre pesquisa científica. Uma jovem como essas entrando no nível superior com uma mente muito mais madura tem um mundo pela frente. Sem falar que elas servem de referência para outras meninas. Elas mostram que outras meninas podem se espelhar nelas e entenderem que fazer ciência é possível, que mulher pode sim está no meio da ciência, da tecnologia. Além da reflexão e incentivo que isso traz para o estado, ganhar prêmios como esse em um lugar que não é pólo tecnológico”, destaca Marcelino.
Após a imersão na prática, houve destaque no processo de aprendizagem, resultando em premiações como o Imagine Cup, conta Luize. “Então, eu acho que a partir desse momento a gente começou a se destacar na turma porque colocamos em prática aquilo que estava sendo ensinado e mostrar para as pessoas que meninas podem, que meninas têm capacidade. Na maioria das vezes sai até melhor. O pessoal tem mania de dizer que mulher é delicada, que mulher gosta de ver defeito nisso e naquilo. Isso tem um pouco de verdade, pois o que a gente fez necessitava de muita atenção, de muito foco, e muito responsabilidade”, revela.
Conquistas como essa abrem espaços para que outras meninas também possam ter total liberdade para executarem o que desejam, seja em Eletrônica, Engenharias ou outras áreas dominadas pelo grupo masculino. “Eu acredito que a gente participar de eventos grandes como esse garante espaço e oportunidades como também cria interesse em outras mulheres para que possam ingressar em cursos assim como Eletrônica ou até outro curso que seja generalizado, que tenha esse estereótipo que é feito para homens, que não é um curso feminino” destaca.
Luize afirma que atualmente, ela e sua amiga Sara ingressaram no curso de Fisioterapia, e que o interesse é aplicar tecnologia na área da saúde, para garantir, assim, bem-estar, autoestima e qualidade de vida às pessoas.∎
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