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Foto do escritorJoão Victor Peixe

Uma Ciência para a Vida

Na contramão do agronegócio, a Agroecologia já desponta como possibilidade real de alinhamento entre produção saudável de alimentos e relações pautadas nas práticas culturais

É difícil imaginar um mundo onde a produção de alimentos aconteça de outra maneira que não seja com o manejo da Terra. A evolução conseguiu dar possibilidade de locomoção mais rápida e até inventou novas tecnologias para cultivo da nossa alimentação, mas o certo é que, mesmo ainda, o contato com a natureza e a ecologia são a forma eficaz de nos mantermos abastecidos com aquilo que precisamos para nossa vida, às vezes, nem só em forma de alimento.


A agroecologia nasce nesse sentido. Ela pode ser entendida como o estudo e prática da agricultura de uma perspectiva ecológica. Tem como princípios básicos, o cuidado com a produção de alimentos sem agrotóxicos ou adubos químicos, abordando os processos agrícolas de maneira ampla, não só visando aumentar a produção, mas também otimizar o agroecossistema total – incluindo seus componentes socioculturais, econômicos, técnicos e ecológicos.


Sob uma perspectiva mais superficial, a Agroecologia incorpora ideias ambientais e sentimento social a respeito da agricultura, com características contemporâneas, respeitando os limites dos ecossistemas naturais ou artificiais e o ser humano, indo além do pensamento convencional imposto. Em um ponto de vista mais restrito, a Agroecologia se refere ao estudo dos acontecimentos ecológicos e socioeconômicos, que ocorrem no ambiente dos cultivos de determinados sistemas agrícolas, o que evidencia o seu enorme potencial de aplicação para resolver questões de degradação ambiental, buscando integrar tecnologias e favorecer a administração do campo e de agroecossistemas sustentáveis.


Com a intenção de permitir o desenvolvimento de estilos de agricultura que resultem em um nível maior de sustentabilidade, a Agroecologia proporciona as referências científicas para fortalecer o processo de transição a estilos de agricultura sustentável nas suas diferentes manifestações ou denominações. Preocupa-se com a otimização do agroecossistema como um todo, o que aplica maior ênfase no conhecimento, forma de analisar e de interpretar as complexas interações existentes entre as pessoas, os cultivos, os solos e os animais.


Atualmente, o termo agroecologia pode ser entendido como uma disciplina científica, como uma prática agrícola ou como um movimento social e político. Nesse sentido, a agroecologia não existe isoladamente, mas é uma ciência integradora que agrega conhecimentos de outras ciências, além de agregar também saberes populares e tradicionais provenientes das experiências de agricultores familiares de comunidades indígenas e camponesas.


Portanto, a base de conhecimento da agroecologia se constitui mediante a sistematização e consolidação de saberes e práticas, convertendo os conhecimentos empíricos tradicionais em conhecimentos com bases e metodologias científicas, visando a sociodiversidade e a agricultura ambientalmente sustentável, economicamente eficiente e socialmente justa.


A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica

A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) tem por objetivo integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutores da transição agroecológica, da produção orgânica e de base agroecológica, como contribuição para o desenvolvimento sustentável, possibilitando melhoria de qualidade de vida à população por meio da oferta e consumo de alimentos saudáveis e do uso sustentável dos recursos naturais. Com o lançamento da PNAPO, em vigor desde 2012, a partir do decreto presidencial nº 7.794, de 20 de agosto, o Brasil se torna o primeiro país a criar uma política de estado específica para o incentivo à agroecologia e à produção orgânica.


Construído de forma participativa, o decreto surgiu pela preocupação da sociedade civil e das organizações sociais do campo e da floresta sobre a necessidade de se produzir alimento em quantidade e qualidade necessárias, com o menor impacto possível ao meio ambiente e à vida. Nesse momento, foram definidas as diretrizes, instrumentos e instâncias de gestão da PNAPO. Coube à Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO), composta por representantes de dez ministérios, a tarefa de elaborar o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), articulando órgãos e entidades do Poder Executivo Federal para a implementação da política.



Já à Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), composta por quatorze representantes da sociedade civil e quatorze de órgãos do Governo Federal, com seus respectivos suplentes, coube a missão de promover a participação da sociedade na elaboração do Planapo, propondo as diretrizes, objetivos e ações prioritárias a serem desenvolvidas.


A partir de setembro de 2012, as duas instâncias se debruçaram em um intensivo trabalho para a consolidação do Plano, articulando diversos programas e iniciativas existentes nos diversos ministérios e elaborando novas ações que respondessem aos desafios colocados.


O processo de construção do Planapo contou com a participação de diversos movimentos e organizações sociais ligados às temáticas da agroecologia e da produção orgânica.


Em sua versão atualizada, o Planapo 2016-2019 articula dez ministérios, incluindo suas unidades setoriais e entidades vinculadas, em torno de programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica. São 185 iniciativas, distribuídas em 29 metas, e organizadas em seis eixos estratégicos: Produção; Uso e Conservação de Recursos Naturais; Conhecimento; Comercialização e Consumo; Terra e Território; e Sociobiodiversidade.


Para a efetivação do Planapo, busca-se o estreito diálogo e articulação com os estados e municípios, de forma a integrar políticas setoriais de incentivo, fortalecimento e ampliação dos sistemas de produção orgânicos e de base agroecológica com os processos de planejamento e implementação de políticas locais.


A feira de Base Agroecológica

A Feira de Base Agroecológica da UFPI-Sementes de Cultura é a consequência última de um projeto de extensão idealizado pela profa. Dra. Valéria Silva, do curso de Ciências Sociais, um trabalho iniciado pela Comissão de Produção Orgânica do Estado do Piauí CPOrg-PI, ligada à PNAPO e a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural (SDR) Teresina há três anos, e posteriormente continuado pela Comissão Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica-CMAPO. Em 2015 dela faziam parte 05 (cinco) comunidades rurais da capital que participam do Plano de Base Agroecológica do município de Teresina, já produzindo sem uso de agrotóxicos e adubos químicos.


Professora defende que a Ciência ganha ao se aproximar dos saberes populares. (Foto: Francicleiton Cardoso)

“Sempre me perguntava porque as feiras que visitei não juntavam agricultura com a manifestação da cultura local. Porque a agricultura não é só produção de alimento, é preciso perceber que é uma maneira de produzir alimentos. Então se há um certo modo, este modo tem a ver com o modo de vida, dos sujeitos que estão em torno deste processo. Então porque os recursos simbólicos não poderiam entrar? Porque essas maneiras de estar no mundo não estariam nessa feira? Foi dessa inquietação que eu sempre tinha que decidi propor um projeto de extensão na universidade em Novembro de 2016 que juntava tudo isso, música, artesanato, arte, cultura, extensão, pesquisa”, afirma a professora.


O projeto de extensão Sementes de Cultura, conta com o apoio de diversos órgãos e entidades, além das comunidades produtoras que fazem parte do projeto. Esse projeto de extensão capacita e orienta os agricultores para produzir e manusear produtos orgânicos, além de acompanhar e auxiliar na qualidade dos produtos. A UFPI também dá assistência aos feirantes disponibilizando transporte gratuito para deslocamento dos agricultores e seus produtos sustentáveis até o local da feira.


“Trabalhamos em cada comunidade os eixos de produção, organização social e formação, buscando implementar além da transição agroecológica completa, tratar além dos produtos, as pessoas e os processos, no sentido de que não haja veneno nem nos produtos, nem nos processos, nem na relação entre as pessoas. Com a meta de alcançar o bem viver entre todos e todas”, relata a professora.


Deste nascedouro, o projeto de extensão Sementes de Cultura articula ações ancoradas na prestação de assistência técnica aos horticultores(as); aproveitamento racional de produtos agrícolas passíveis de desperdício; na mobilização da produção artística-cultural de discentes e docentes da UFPI e na organização da feira que congregue no seu espaço todos esses fazeres.


A Feira de Base Agroecológica-Cultural da UFPI é um encontro que abarca um conjunto de ações articuladas, as quais estabelecem o diálogo da UFPI com a produção de base agroecológica de Teresina e as manifestações culturais desse município e do Estado do Piauí. A ideia central dessa extensão é que ela se oriente pelo entendimento da complexidade. Que se olhe para o mundo e se veja a multi-expressão de cada fenômeno, suas inter-relações. Não se trata apenas da dimensão agroecológica em si, mas das práticas, processos e teias de relações político-sociais. Pode-se refletir a condição social e racial dos produtores, as reações químicas de técnicas de cultivo, as fontes de energia, o valor nutricional e benefícios para a saúde, etc. A feira, nas palavras da profa. Valéria é “uma expressão da vida”, e nela cabe uma excelente oportunidade para o exercício da interdisciplinaridade.


“A agroecologia pode ser entendida como uma ciência, uma prática e um movimento social. Nesta dimensão científica um dos princípios é que todo conhecimento é válido, não apenas o conhecimento engessado nos moldes positivistas. Existe mais de uma maneira de conhecer. A ciência tem muito a ganhar ao se aproximar da experiência e das trocas de saberes locais, além de abrir nossa visão sobre os produtos, processos, relações entre as pessoas e o planeta. Nessas práticas de conhecimento, é preciso que exista o diálogo,” afirma a professora.

A feira conta com uma grande variedade de produtos. (Foto: Francicleiton Cardoso)

Buscando gerar mercados para os produtos das comunidades assistidas e divulgar a produção de base agroecológica dessas localidades, inicialmente foi organizada uma feira quinzenal na Praça Rio Branco, hoje já consolidada. A Feira da UFPI que surgiu após se constitui numa ampliação quanto-qualitativa deste esforço, e assim deseja dar visibilidade também às dimensões culturais das comunidades envolvidas e possibilitar a comercialização de produtos provenientes da arte e da cultura piauiense, incluindo aqueles produzidos por estudantes, técnicos e docentes da UFPI e pelos artistas e artesãos do meio rural de todo o Estado. Assim, no primeiro momento da feira, fizeram 25 artesãs e artesãos que ali expõem e comercializam uma diversidade de produtos feitos à mão, de beleza singular. A exposição, numa visão comercial, aumenta a facilidade na venda dos produtos, contribuindo efetivamente para uma maior rentabilidade dos feirantes.


“Antes a gente plantava e ficava esperando o cliente ir até o canteiro. Às vezes a gente perdia mercadoria, e agora não mais”, é o que relatou em entrevista, dona Teresinha, horticultora.


Este direcionamento dialoga com a compreensão de que a agroecologia não se resume à dimensão da produção e comercialização de produtos agrícolas, no contexto do projeto também tem lugar as apresentações de cunho cultural, atividades de formação – oficinas, palestras, rodas de conversa e cursos – dirigidas à comunidade teresinense e aos agricultores, em particular; bem como a orientação acadêmica de discentes em experiência de extensão. Atualmente, vive-se numa era onde se sofre envenenamento tanto do setor alimentício, com agrotóxicos quanto do farmacêutico, portanto, a ideia da feira é reforçar o exercício da boa prática alimentícia, abrindo espaço inclusive para a alimentação sem sofrimento animal, com rodas de conversa e vendas de produtos veganos.

Além dos produtos, a feira conta com rodas de discussão. (Foto: Francicleiton Cardoso)

Para a Profa. Dra. Adriana Galvão, a mensagem central se resume a uma troca: “A palavra que traduz isso é fraternidade, dessa troca de saberes, de poder trazer o campo para a cidade. Numa troca que, sobretudo, alimenta o corpo.” Esta dinâmica geral resulta na articulação campo-cidade, acadêmico-artístico-cultural, intergeracional e de gênero, conformando uma agenda de trocas culturais, de saberes, de fazeres, de lazeres e de sabores, fazendo com que este evento cumpra seu objetivo maior que é o de proporcionar à comunidade teresinense um espaço de venda e aquisição de produtos agroecológicos, culturais e de artesanato; bem como de convivência, lazer e de troca de habilidades, conhecimento e criação, vinda de pessoas de espaços institucionais diversos, de diferentes idades, habitantes do campo e da cidade.


“Essa iniciativa que a professora Valéria propôs é muito importante para que a universidade possa cumprir seu papel social. Hoje estou muito feliz de estar aqui e ver agricultores e artesãos piauienses divulgando sua cultura, pois eles carecem de espaços para vendas de produção e divulgação das suas obras, e ao apoiar esse segmento que muitas vezes é esquecido, nós estamos contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do cidadão piauiense, ao incentivar a produção de vegetais orgânicos, e espero sempre apoiar essa e outras iniciativas como essa”, afirmou o reitor da UFPI, prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes, em entrevista.


A Feira se move especialmente pelo cuidado com o estabelecimento de produção e comercialização de produtos da agricultura familiar disponível para consumo no mercado de Teresina, pela preocupação com as dificuldades de geração de emprego e renda para as populações rurais – especialmente as mulheres e os jovens rurais, pelo interesse em fomentar a sustentabilidade das práticas agrícolas, pelo estímulo à produção, divulgação, comercialização do artesanato piauiense, pela disposição em gerar um espaço de trocas culturais rurais e urbanas, pelo esforço em estabelecer o diálogo e o convívio entre os segmentos da UFPI a partir de dinâmicas que fogem ao estritamente institucional e pela aproximação da academia com a sociedade teresinense.


“Pra mim, é uma alegria muito grande ver que conseguimos trazer para esse evento 5 (cinco) comunidades rurais, 30 (trinta) agricultores, o espaço de artes e artesanato, coordenado por nossos colegas. É com muita alegria que nós trazemos uma feira de natureza agroecológica que vai tratar do que nós temos na mesa, das relações de trabalho que acontece no campo, do cuidado com o planeta, e isso, para toda a comunidade acadêmica, deve ser uma reflexão que nos ocupe todos os dias e a feira é um espaço que pode propiciar tudo isso”, afirmou a professora Valéra Silva, em entrevista à assessoria da UFPI.


Articulando as dimensões econômico-culturais, rurais-urbanas e intergeracionais, o Sementes de Cultura entende que assim restabelecerá a complexidade das práticas humanas, objetivadas em produtos, serviços e vivências culturais, disponíveis no ambiente da Feira, que ocorre quinzenalmente no Espaço Rosa dos Ventos-UFPI.



O II Seminário Internacional Brasil-Colômbia

Com o objetivo de conceder auxílio financeiro parcial a pesquisadores com no intuito de apoiar a organização de eventos científico, tecnológico ou de inovação no Estado do Piauí, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (Fapepi) lançou em junho de 2019 o edital Nº 002/2019.


Entre os projetos selecionados para serem executados com apoio da Fapepi, o “II Seminário Internacional Brasil-Colômbia: Agroecologia e construção do bem viver: cenários da América Latina” foi contemplado pelo Edital, tendo sido realizado nos dias 14,15 e 16 de Agosto no auditório Noé Mendes, na Universidade Federal do Piauí.

II Seminário Internacional Brasil-Colômbia, realizado com apoio da Fapepi, discutiu políticas de agroecologia. (Foto: Divulgação/UFPI)

A ideia do evento foi fomentar e ampliar o diálogo sobre a produção agroecológica a partir do entendimento de que ela transcende o âmbito da agricultura limpa, atuando também como uma organização da vida, das sociabilidades e do respeito às culturas, promovendo lançar luz à discussão sobre um modo de vida sustentável, levando em conta as especificidades de cada contexto e de cada povo.


Com as experiências exitosas do I Seminário realizado no ano passado, este segundo momento buscou compreender a agroecologia como espaço de construção de novas possibilidades para a conquista do alimento limpo e seguro, de proteção dos ecossistemas e de práticas do bem viver.

Durante o evento, uma das preocupações foi promover o debate sobre os desafios da agroecologia na América Latina, levando em conta os conflitos socioambientais e da construção de tramas agroalimentares nas regiões do Maciço colombiano e no Matopiba brasileiro. Ressaltou-se, ainda, que estas são algumas das áreas mais afetadas pelo avanço do capital neoimperialista.


Com ampla programação, as mesas contaram com a presença do professor Luiz Alfredo (Colômbia), e as professoras Valéria Silva e Cristiane Carneiro. Durante o evento, foi falado sobre a relação da agroecologia e Universidade, pontuando as encruzilhadas da construção desse diálogo, os processos de articulação sócio-políticos da Agroecologia na UFPI e na Universidad del Cauca, além de visitas às hortas comunitárias no povoado Soim e na Comunidade Ave Verde.


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