Profissionais piauienses de urbanismo e tecnologia da informação mostram como é possível ampliar as condições de mobilidade na capital piauiense
Mobilidade urbana é uma das questões prioritárias, cada vez mais importantes, para as cidades de médio e grande porte principalmente. Em todo o planeta, há um esforço contínuo, de urbanistas, gestores públicos, organizações não governamentais (ONGs) e cidadãos em geral, no sentido de se criar modelos de mobilidade urbana inteligentes e socialmente inclusivos. Os objetivos dessa mobilização são compatíveis com as premissas de permitir menos tempo possível para o deslocamento das pessoas, com comodidade e não poluição.
Alternativas numerosas de transporte, com redução gradual e progressiva de poluição, maior conforto e praticidade, têm sido pesquisadas. Especialmente os modais públicos e gratuitos, estudados de maneira intensa. Por isso, o mundo tende a formar um grande movimento, de caráter individual e coletivo, pulverizado, em luta para transformar esses centros urbanos em lugares com melhor qualidade de vida e mobilidade urbana crescente.
As respostas procuradas são direcionadas para ampliar, por exemplo, o número e extensão de ciclovias, para que a população passe a adotar a bicicleta, não apenas como lazer ou atividade física. A bicicleta, nas cidades mais modernas, desenvolvidas e com maior qualidade de vida do mundo, ganha força como alternativa utilitária, meio de transporte, mais rápido, saudável e zero por cento emissor de gás carbônico, o CO². A integração de vários sistemas de locomoção é igualmente pensada.
A busca por alternativas ainda é uma quimera ou um sonho longe de se materializar nas plagas piauienses. É o que se percebe pelas intervenções, do poder público municipal, no sistema viário de Teresina, cujos objetivos, entre outros, é favorecer o sistema de ônibus coletivos, principal meio de transporte coletivo. O sistema é considerado inadequado, por várias razões como o alto custo das tarifas, incompatíveis com a renda média e, portanto, as condições socioeconômicas da população da capital.
Outro problema relacionado ao sistema de ônibus coletivos de Teresina é a baixa qualidade dos respectivos serviços, perceptíveis, por exemplo, na frota envelhecida – fora dos padrões estabelecidos como condição razoável ao transporte de massas. É desconfortável, não climatizado em sua grande maioria, mal conservado e escasso, condenando os usuários a longos intervalos de espera, nos pontos, sob o sol escaldante ou a chuva. Atualmente, ao menos existem os terminais – alguns ainda desconfortáveis, sem climatização.
Modal privilegiado
Outro modal privilegiado, no caso teresinense, é o transporte rodoviário privado, por meio dos carros e motos particulares e serviços como táxis e aplicativos de transporte. Sobra pouco espaço para quem busca sair desse circuito, em vias quase totalmente exclusivas para veículos automotores. Nesse contexto, surgem ideias e estudos que podem ajudar a abrir caminhos inteligentes e econômicos para a mobilidade urbana dos teresinenses.
É o caso do trabalho de conclusão de curso (TCC), com o título “Plano de Mobilidade Ativa para Integração Intermodal ao Sistema de Transporte Coletivo: uma Proposta para a Zona Norte de Teresina”, apresentado pelo arquiteto e urbanista Luan Rusvell de Abreu Andrade. Graduado na Universidade Federal do Piauí (Ufpi), Luan propõe “inverter a lógica da mobilidade urbana na cidade”. Ele afirma que “hoje o carro, o transporte privado, tem prioridade sobre outros meios de transporte”.
É uma proposta voltada em primeiro lugar, para o pedestre; em segundo lugar, para o ciclista; e para o transporte público, em terceiro lugar. “A ideia é fazer um sistema de integração entre esses três meios de locomoção”, explica o urbanista. Segundo Luan Rusvell, “a ideia foi voltada para a Zona Norte da cidade justamente por perceber que, primeiro, a Zona Norte tem essa desigualdade social em relação ao resto da cidade”.
“É uma área que comporta uma região histórica da cidade”, completa ele, ao perceber que as pessoas da Zona Norte “têm essa característica natural de andar a pé e de bicicleta”. “Por isso, a ideia de implantar lá o projeto piloto, ou seja, reestruturar a Zona Norte para algo que a comunidade já tem como natural.” O projeto do urbanista consiste na criação de dois anéis em torno de dois terminais rodoviários localizados na Rua Rui Barbosa e no Bairro Buenos Aires.
“Caminhável” e “ciclável”
Nesse sentido, cada terminal teria um anel com um raio de um quilômetro de distância, denominado, por Luan, de “anel caminhável”, que permitiria que as pessoas se deslocassem de suas casas até o terminal, a pé, “em condições ideais de segurança, conforto e acessibilidade”. Um segundo anel, implantado num raio de dois quilômetros, de cada um dos dois terminais, o “anel ciclável”, possibilitaria que os ciclistas partissem de suas habitações, de bicicleta, até os terminais, “com todas as garantias de pedalada ideal.”
A proposta beneficiaria toda a população da Zona Norte, o que gira em torno de 200 mil pessoas. “Mas, se entendendo que o sistema de transporte público é um sistema que integra toda a cidade, a gente pode dizer que impactaria toda a população de Teresina.” Seriam criadas condições para que a população de Teresina tivesse opções de mobilidade. “E é aí que se alcançaria o grande objetivo, o das pessoas se apropriarem desses modais de transporte sustentável, para se fazer essa locomoção cotidiana”, declara Luan Rusvell.
O estudo estabelece que “dentro desses anéis a pirâmide de prioridade é pedestre, ciclista, ônibus e aí vem os meios de transporte privados, motorizados”. O pesquisador ressalta que um dos principais norteadores do trabalho, que faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), prevê a diminuição do uso de combustíveis fósseis. “Então, a proposta é que a médio e longo prazo as pessoas deixem de usar os veículos de transporte motorizado.”
Luan Rusvell lembra que hoje, “o que existe é que as pessoas têm carro ou moto, em primeira opção, por conta das condições”. “Hoje é muito mais fácil ter uma infraestrutura de trafegabilidade, que propicie uma facilidade de locomoção muito maior, se você vai de carro, do que se vai a pé. Então, é justamente inverter essa lógica.” Ele observa que há também, em tal contexto, um trabalho de autoestima a ser feito. As pessoas precisam ter autoestima para usar o transporte público, algo inédito até os dias atuais de Teresina.
Incentivo ineficaz
No entendimento do urbanista, os teresinenses perderam o interesse pelo sistema de ônibus coletivos, por conta das péssimas condições. “Ninguém se sente bem usando o transporte público”, afirma, se referindo à capital piauiense. Assim sendo, o plano só faria sentido, se tivesse, integrado a isso, um investimento na qualidade do serviço de transporte coletivo, viabilizando, portanto, um replanejamento urbano, com uma infraestrutura de mobilidade na região, que priorize o transporte coletivo.
O pesquisador destaca que, no caso de Teresina, em geral, há avenidas de três faixas, sendo uma delas reservada a um corredor exclusivo de ônibus, configurando um corredor livre para que o trânsito dos coletivos circule mais fluido, mais rápido. Ele avalia que, enquanto isso, nas outras duas faixas, as dificuldades de congestionamento se acumulam em função de grande parte das pessoas querer ir para o mesmo lugar, ao mesmo tempo, no seu próprio carro.
O urbanista conclui que a Prefeitura Municipal de Teresina (PMT) automaticamente “incentiva” as pessoas a perceberem que é mais rápido usar o transporte público, do que ficarem “presas” em engarrafamentos, no próprio carro. Porém, sem evoluir nos padrões de qualidade do respectivo serviço, os usuários continuarão colocando como opção secundária os ônibus coletivos, a começar por conta da política tarifária praticada no transporte público.
De acordo com o autor do trabalho, 25% da população de Teresina não têm acesso a nenhum meio de transporte. São pessoas carentes, de baixa e baixíssima renda, que não podem pagar pela tarifa do transporte público. “Então, é um conjunto de melhorias do transporte público mesmo, de estrutura física do transporte público, reestruturação de tráfico, permitindo a maior fluidez desse transporte coletivo, e a política tarifária, que eu acho que é essencial.” Ele conclui: “é preciso permitir que as pessoas tenham acesso ao transporte”.
250 mil na pobreza
A realidade marcada pela queda na qualidade de vida do teresinense estabelece relações com o cenário de desigualdade social na cidade, por sua vez, inserida num contexto nacional, onde pesquisas têm apontado o aprofundamento do processo de exclusão social, desde 2015. “As pessoas podem andar a pé, porque é de graça, de bicicleta, porque é de graça, mas, são meios de transporte de curta distância – até dois quilômetros –, mas, nessas médias e longas distâncias, elas têm como opção o transporte público.”
Porém, o sistema precisa ser financeiramente acessível para essas pessoas, “senão o plano não se conclui”, adverte. O urbanista entende ser uma grande incoerência, numa cidade com população de baixa renda ainda muito grande, cujas estatísticas oficiais – a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) – comprovam que cerca de 250 mil pessoas – 29% da população – estão na linha de pobreza. São cidadãos e cidadãs em situação de vulnerabilidade, com renda média de até dois salários mínimos.
Essa margem da população é tão vulnerável, que está inclusive sujeita a eventuais instabilidades políticas. De acordo com o profissional, a mobilidade urbana, o transporte público, é o principal serviço oferecido na cidade, porque através dele que se pode ter acesso a outros serviços. “É através dele que eu posso ter acesso à saúde, educação, ao trabalho. Então, a mobilidade urbana é estratégica para um desenvolvimento sustentável na cidade”. Essa perspectiva inclui, por outro lado, tornar a população acessível, por exemplo, ao sistema de ciclovias.
Semáforos inteligentes
Outros aspectos da ampla questão da mobilidade urbana, que tem seu componente de problemática social, igualmente precisam ser equacionados e dependem de soluções inclusive tecnológicas, relativas à evolução da engenharia de tráfego. Nesse sentido, surgem esforços como a “Proposta de Semáforo Inteligente para a Rotatória do São Cristóvão”, elaborada conjuntamente por um grupo de pesquisadores da Ufpi, formado por Artur Felipe Veloso, Thays dos Santos, Enza Rafaela Ferreira e Raimundo Neto.
São os formuladores do estudo referente à implantação de “semáforos inteligentes” em Teresina. Para Artur Felipe, graduado e mestrando em Ciência da Computação, o ponto do Balão do São Cristóvão é o local escolhido na pesquisa, considerando que há uma confluência de duas grandes avenidas, a Presidente Kennedy e João XXIII, com fluxos de trânsitos de veículos intensos, em sentidos opostos e horários diferentes. Por exemplo, quando o congestionamento acontece em direção ao Centro, o fluxo é tranquilo no sentido contrário.
O projeto consiste, de forma simplificada, em equipar as principais vias públicas, com trânsito mais intenso, de semáforos dotados de inteligência artificial, sensores capazes de monitorar a intensidade do trânsito e regular, automaticamente, sem o elemento humano, o tráfego. A ideia é, em caso de iminente engarrafamento na avenida, sincronizar os sinais de trânsito, de modo a mantê-los abertos por mais tempo, permitindo que o fluxo de veículos circule minimizando os congestionamentos.
Engarrafamentos diários
O ponto escolhido para o experimento curiosamente não tem semáforos até hoje, mesmo com o crescimento impressionante da frota de veículos circulando na capital, o que causa engarrafamentos variados, durante os dias úteis. E a proposta dos pesquisadores da Ufpi prevê não só a implantação de sinais, no balão, mas, que eles consigam, por meio do uso de tecnologia desenvolvida por esses profissionais piauienses, melhorar o trânsito, nos diversificados horários e sentidos.
Os sensores de distância contariam a quantidade de veículos, e fariam com que os semáforos “tomassem” decisões próprias, ora liberando, ora retendo o tráfego, dependendo da situação menos ou mais favorável. “Basicamente, ele vê o fluxo e distribui o tempo para cada semáforo”, explica Artur Veloso, um dos inventores desse sistema de inteligência artificial (IA). “A própria IA consegue por si só ser autônoma”, acrescenta o pesquisador, se referindo ao semáforo inteligente.
Trata-se de um protótipo de semáforo, elaborado com material reciclável, sensores, composto por um “código inteligente baseado na teoria de Processos de Decisão de Markov2, com o objetivo de controlar o fluxo nas vias e fazer um cálculo probabilístico para a liberação de mais tempo para os semáforos”. De acordo com a proposta, “os sensores de fluxo passarão por novos estudos em busca de melhorias e novas tecnologias para encontrar resultados satisfatórios”.
O projeto poderia ser implantado de imediato, do ponto de vista tecnológico, à medida que os equipamentos fossem fabricados por meio de uma empresa especializada ou mesmo uma startup, criada pela própria equipe. “O objetivo do trabalho é minimizar o tempo de espera, no semáforo, e maximizar o fluxo”, resume Artur Veloso, cuja dissertação de mestrado tem como temática a chamada Internet das Coisas, na qual sistemas e equipamentos funcionam, se conectam, “dialogam”, por meio da rede mundial de computadores.
O pesquisador considera que os semáforos autômatos podem funcionar nas principais vias de Teresina, inclusive avenidas, com redução significativa do tempo de espera, podendo cair pela metade o intervalo que os veículos levam entre a partida e a chegada nos respectivos destinos. É mais um projeto, entre tantos, no sentido de ampliar a mobilidade urbana, com o uso de alta tecnologia ou a adoção de novos modelos destinados a integrar diferentes modais de transporte, proporcionando mais oportunidades de locomoção e qualidade de vida.
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